A morte de mãe para Filha
Hoje, morri para alguém e este alguém não foi mero acaso na minha vida. Morri para minha mãe. Há anos ela deve cultivar decepções e creio que todas elas significam algo que eu deveria ter sido – e para ela – nunca fui. Há muito tempo, acho que desde quando desgarrei das minhas necessidades infantis, sou outro alguém que não fosse sua filha. Talvez eu tenha me tornado uma mulher avessa aos princípios dela de ser humano, na verdade penso em muitas possibilidades e lacunas não percebidas... Mas para sempre, custarei a crer que ela me enxerga como inimiga.
Não sei se errei demais para doer tanto no ego maternal dela. Às vezes, duvido que ela algum dia tenha se sentido maternal. Rascunho tudo isso, até com certos desencontros de sentido, porque ao mesmo tempo vejo o filme – meu pequeno passado de filha. Muito pequeno porque não me lembro de um abraço dela. Não consigo me resguardar de um bom começo entre mãe e filha, como uma ajuda com as palavras, um sorriso protetor, um gesto instintivo de amor e nem mesmo o bendito abraço.
Falo tanto deste abraço porque hoje, cheguei tarde e confesso que muitas vezes não tenho vontade de voltar para casa. Mas cheguei e mesmo todos no escuro, todos à mercê daquela situação medíocre da falta de dinheiro, as coisas conseguiram ficar piores. Ela repetia que não queria mais me ver, que fizesse o favor de sumir e enfim, dizer coisas que a razão dela conhece muito bem, mas que minha razão desconhece e pior, não concorda.
Discutimos, porque hoje a minha paciência não queria ficar em silêncio. As minhas faltas não queriam o consolo da carência. Eu não desejei mais ser subestimada e mal amada pelo ódio que ela sentia. Deve ser ódio, porque ela acabou de dizer que morri. E eu como filha ouvi, tentei me calar, não provocar mais ladainha de última hora, mas foi quando tudo o que sinto também se revoltou e desabafou em meia dúzia de palavras, algo que para ela valesse nada e para meu sucessivo fracasso, valia um bocado de paz.
Enquanto ela em sua revolta me rodeava, pronta para atacar e com duas frases velhas daquelas coisas que não esquecemos porque foram indissolúveis, ela foi desabafando, mandando que eu sumisse e comecei a chorar.
Pedi para alguma entidade superior que domasse meu furor com um gesto, ou que um pequeno milagre acontecesse – Desejei ser uma criança novamente e voltar no ponto exato da onde faltou aquele bendito abraço e que recomeçássemos. Abri meus braços na esperança de que naquele momento tudo entre a gente pudesse mudar – eu acreditei.
Tanto que ela esbravejava palavrões, gesticulava querer esganar meu pescoço, seus olhos saltavam da cara a procura de ira eu... chorava abrindo os braços, mas antes que desse o meu primeiro passo, ela deu seu gesto de misericórdia – Cuspiu no meu rosto. Eu, nem sei o que senti, mas algo dentro de mim pediu para insistir – e ser ouvida – Era obrigação de mãe ouvir, mas ela não quis, e bateu com um bofete na minha cara.
Por mais que eu pensei em revidar e agora levantava meus braços para cometer uma atitude instintivamente animal, ouvi então o choro da minha filha no quarto (que ouviu a humilhação e xingamentos). Não consegui agir, fiquei imóvel no meio da sala e vi minha mãe indo dormir jogando no chão o seu fardo de mãe. Eu, na mesma hora, agachei e por segundos iria ajoelhar e pedir a Deus que ela morresse. Mas não...
O choro da minha filha calou o meu e o fardo maternal que aquela criatura chamada mãe jogou no chão diante de mim, acolhi nos meus ombros – agora o fardo era meu – E fui para o quarto sem mais saber o que ser filha, mas fui dar aquele abraço na minha filha – aquele que minha mãe nunca me deu.