O último discurso da última ceia - Jo8

Como vimos em nossa introdução neste exame do Evangelho de João, seu caráter peculiar remete a uma mudança radical de pensamento, argumentos e povo-alvo, já que a lei que vigorava – para judeus exclusivamente, seria substituída pela graça – agora também sobre os gentios.

Nesta linha de raciocínio, um longo discurso abrangendo 5 capítulos (13 ao 17) demarcam esta alteração profunda na economia divina. Nada se comenta sobre a ‘santa ceia’ propriamente, como ficou enfatizado nos 3 primeiros Evangelhos. E no entanto, tudo o que estes 5 riquíssimos capítulos abordam, não há similar nos demais.

O discurso é dividido em 4 fases, denotando 4 condições do que viria a seguir para o novo corpo que estava em vista – o corpo conjugado de Cristo unindo judeus e gentios sob a mesma graça salvadora, sem as obras da lei. Acompanhe o diagrama para complementar os temas a seguir (https://online.fliphtml5.com/otzwa/nscr/):

1) A primeira fase inicia com a interrupção da ceia (simbolizando a interrupção do sacerdócio levítico) e finda com a entrega do bocado ao traidor (Jesus aceita e determina seu autossacrifício). E indica pelo menos 2 novas condições para o corpo de Cristo que em breve nasceria:

a) A transferência da responsabilidade ministerial para os discípulos designados – visto no ato do sumo sacerdote Jesus trocar suas vestes (13.4), baseado no tipo da troca de vestes entre Arão e seu filho Eleazar (Nm 20.28);

b) Um novo Senhorio fica estabelecido com base na figura da santificação dos discípulos pela lavagem dos seus pés (13.5), levando a uma obrigação mútua de purificação para os membros da futura Igreja a ser estabelecida – “Vós me chamais Mestre e Senhor, e dizeis bem, porque eu o sou. Ora, se eu, Senhor e Mestre, vos lavei os pés, vós deveis também lavar os pés uns aos outros” (13.13-14). A figura remete à consagração dos sacerdotes pela lavagem com água (Lv 8).

2) O segundo discurso inicia com a certeza da glorificação futura do Filho do homem nos céus, mas somente depois da expulsão do traidor (a pureza da Igreja está em vista), indo até a antecipação da aproximação do “príncipe deste mundo” (resultado da não conformidade dos cristãos ao Cristo ressuscitado). Duas condições básicas são acentuadas na formação e desenvolvimento íntimos da Igreja:

a) Um novo relacionamento infinitamente superior ao sacerdócio levítico que se dissipava, baseada na morte sacrificial que deve ser experimentada e vivida por todo cristão sob a graça – “Novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros; assim como eu vos amei, que também vos ameis uns aos outros. Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns aos outros” (13.34-35);

b) A promessa de um novo Consolador (acompanhante, ajudador ou assistente) à altura dos novos empreendimentos do corpo de Cristo na terra – “mas o Consolador, o Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito” (14.26).

3) A terceira fase do discurso, fora da ceia, inicia imediatamente com a parábola da videira verdadeira, lembrando que esta árvore sempre se associa ao ministério sacerdotal (para melhor compreensão do assunto, acesse https://online.fliphtml5.com/otzwa/aqtw/). O discurso nada aborda sobre salvação pessoal, mas fala do relacionamento criado entre o sumo sacerdote morto e ressuscitado e os novos sacerdotes vivos em sua atuação no mundo, bem como do julgamento inevitável em caso de falha. Não à toa, finda com a figura da dispersão das ovelhas e grande aflição final. Duas condições realçam esta fase de trabalho no campo do mundo:

a) A nova relação de amizade com Cristo, suplantando a relação de mera servidão que vigorava sob a Lei para Israel – “Já vos não chamarei servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor; mas vos tenho chamado amigos, porque tudo quanto ouvi de meu Pai vos tenho feito conhecer” (15.15);

b) A promessa do Consolador para guiar a Igreja em sua missão de salvar o mundo, bem como entender os desígnios de Deus quanto ao futuro – “Mas, quando vier aquele Espírito de verdade, ele vos guiará em toda a verdade; porque não falará de si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido, e vos anunciará o que há de vir” (16.13).

4) O 4º e último discurso abre uma visão toda celestial. Três condições únicas na história universal entram em brilhante cena:

a) Jesus, o perfeito Filho de Deus, já se vê glorificado nos céus, reavendo ‘aquela glória que tinha com o Pai antes que o mundo existisse’ (17.5);

b) Cristo, assentado nos céus como sumo sacerdote perfeito e todo suficiente, passa a interceder pela Igreja nos seus caminhos pelo mundo ímpio – “Não peço que os tires do mundo, mas que os livres do mal. Não são do mundo, como eu do mundo não sou. Santifica-os na tua verdade; a tua palavra é a verdade” (17.15-17). O livro de Hebreus complementa – “Mas este, porque permanece eternamente, tem um sacerdócio perpétuo. Portanto, pode também salvar perfeitamente os que por ele se chegam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles” (Hb 7.24-25).

c) Uma nova unidade indissolúvel e graciosa passa a vigorar desde os céus. O privilégio sem par eleva seu corpo até as alturas, ainda que esteja preso, temporariamente, no mundo físico – “Para que todos sejam um, como tu, ó Pai, o és em mim, e eu em ti; que também eles sejam um em nós… Eu neles, e tu em mim, para que eles sejam perfeitos em unidade” (17.21-23).

Findamos assim o ciclo de estudos dos Evangelhos e partimos, se o Senhor assim o permitir, para o livro histórico de Atos dos apóstolos. Obrigado por me acompanhar até aqui, e continue nesta jornada até aquele dia gracioso (para tantos), maravilhoso (para muitos) e espantoso para todos!