A água e o vento - Jo4

Não era minha intenção comentar sobre este assunto, mas visto haver uma carência abismal de entendimento quanto à maior necessidade humana em qualquer tempo, local ou esfera, vamos trazer alguns pontos de interesse.

A famosa conversa entre “Nicodemos, príncipe dos judeus” e o “Mestre vindo de Deus”, tem como contexto imediato e totalmente necessário apenas 2 versículos que findam o evento da expulsão dos cambistas do Templo, e que certamente impressionou aquele príncipe.

“Mas o mesmo Jesus não confiava neles, porque a todos conhecia; e não necessitava de que alguém testificasse do homem, porque ele bem sabia o que havia no homem” (João 2.24-25).

A duplicidade da proposta é necessária – ambas demonstram a total incapacidade do homem em alcançar o reino de Deus por seus esforços, e mesmo permanecer nele nesta força do braço carnal. A condenação do homem, em qualquer época ou condição, é duplicada tanto do ponto de vista da raiz quanto de seus frutos. Em outras palavras – 1) o que somos e 2) o que produzimos – nos condena inteiramente aos olhos divinos.

“Que é o homem, para que seja puro? E o que nasce da mulher, para ser justo? [1º ponto] Eis que ele não confia nos seus santos [2º ponto], e nem os céus são puros aos seus olhos” (Jó 15.14-15).

O que Jó exclamou de forma poética, Paulo desenvolverá em forma doutrinária.

“Assim como a morte veio por um homem... assim como todos morrem em Adão...” (1 Coríntios 15.21-22) – visão doutrinária do 1º ponto.

“Estando nós ainda mortos em nossas ofensas...” (Efésios 2.5) – visão doutrinária do 2º ponto.

Esta dupla mortificação incita Deus a uma exigência dupla, confirmadas por Jesus em seu discurso a Nicodemos.

“Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus... Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus” (Jo 3.3,5).

Nenhuma dificuldade vai ser encontrada no termo simples ‘nascer’, no entanto quando é acrescentada uma condição anormal, uma perplexidade desconcertante aparece.

A cláusula ‘de novo’ vem do grego ‘ánōthen’ - ἄνωθεν (https://is.gd/strong_g509), com 3 significados básicos – 1) de cima, 2) do início e 3) de novo. Obviamente cada tradução bíblica priorizará um destes conceitos, mas os 3 são maravilhosamente complementares. Este segundo nascimento, por assim dizer, contrário ao primeiro que nos lança perdidos a este mundo, deve ser:

1) De cima, ou proveniente da vontade divina – “Os quais não nasceram do sangue [não envolve genética herdada], nem da vontade da carne [não depende de força física ou intelectual], nem da vontade do homem [o ser humano não possui este desejo intrínseco], mas de Deus [tudo parte Dele]” (João 1.13);

2) Um novo início ou nova relação, nada tendo a ver com o anterior – “Assim que, se alguém está em Cristo, nova criatura é; as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo [nada tem a ver com o passado]” (2 Coríntios 5.17);

3) De novo, ou mais uma vez, carregando certas similaridades com o nascimento físico – “Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo que, segundo a sua grande misericórdia, nos gerou de novo para uma viva esperança [a primeira geração não possui nenhuma esperança]” (1 Pe 1.3).

Este 3° ponto exige que o espiritual corresponda à imagem do terreno. Assim como o plano terreno necessita de duas sementes em interação para gerar o ser físico, também o novo nascimento no plano celestial exige duas sementes espirituais – 1) a água e 2) o vento (tradução literal) ou a Palavra e o Espírito (interpretação do sentido).

“Sendo gerados de novo, não de semente corruptível, mas da incorruptível, pela palavra de Deus, viva, e que permanece para sempre” (1 Pedro 1.23);

“A semente 1) é a palavra de Deus” (Lucas 8.11);

“O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é espírito... O vento assopra onde quer, e ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai; assim é todo aquele que é nascido 2) do Espírito” (João 3.6,8).

“O Espírito é o que vivifica, a carne para nada aproveita; as palavras que eu vos digo são espírito e vida” (João 6.63).

E assim como no físico uma semente deve fecundar a outra na geração do ser humano, uma destas sementes espirituais deve fecundar a outra na geração do novo homem espiritual que passa a ser do alto.

É precisamente o Espírito Santo (o vento que se move para onde quer) que fecundará a semente da Palavra de Deus lançada em nossos corações. A Palavra dependerá da ação humana para sua exposição aos corações perdidos – O Espírito promoverá a ação divina que fecunde a semente espalhada na germinação do novo ser em Cristo.

As 4 perguntas de Paulo são bem pertinentes – “Como, pois, invocarão aquele em quem não creram [dependente da ação do Espírito]? E como crerão naquele de quem não ouviram [dependente da Palavra]? E como ouvirão, se não há quem pregue [dependente da ação humana]? E como pregarão, se não forem enviados?” (Romanos 10.14-15).

Preciosas e desconcertantes conclusões podem ser tiradas destas poucas passagens, mas provavelmente tornaremos ao assunto quando passarmos pelas epístolas paulinas.