Duas escadas – uma delas sem degraus - Jo3

Na singularidade típica do Evangelho de João, uma figura aparentemente desligada de contexto maior, é apresentada por Jesus logo no início de seu ministério terreno, e exclusivo em João.

“Jesus viu Natanael vir ter com ele, e disse dele: Eis aqui um verdadeiro israelita, em quem não há dolo” (Jo 1.47).

Natanael (Deus deu ou presente de Deus) é aqui uma representação perfeita daquilo que Jesus pronunciará mais a frente em oração – “Pai, aqueles que me deste quero que, onde eu estiver, também eles estejam comigo” (Jo 17.24). E seu posicionamento era também especial.

“Disse-lhe Natanael: De onde me conheces tu? Jesus respondeu, e disse-lhe: Antes que Filipe te chamasse, te vi eu, estando tu debaixo da figueira” (1.48).

Como já vimos anteriormente, a figueira simboliza o ministério de governo de Israel, ou seja, aquele israelita verdadeiro e justo descansava à sombra do governo verdadeiro que Ele ainda esperava vir e ser implementado. A hora havia chegado e sua adoração é perfeita para o momento.

“Natanael respondeu, e disse-lhe: Rabi, tu és o Filho de Deus; tu és o Rei de Israel” (1.49) – em um lance profético reconheceu a divindade de Jesus e seu direito ao trono davídico que ele esperava por fé, contra todas as circunstâncias negativas que cercavam aquele povo.

E agora entremos no contexto maior da escada sem degraus.

“Jesus respondeu, e disse-lhe: Porque te disse: Vi-te debaixo da figueira, crês? Coisas maiores do que estas verás. E disse-lhe: Na verdade, na verdade vos digo que daqui em diante vereis o céu aberto, e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do homem” (1.50-51).

Somente outro cenário como este, separado por cerca de 1800 anos, servirá de apoio a uma melhor interpretação dos 2 eventos. No entanto, Jacó viu algo mais condizente com sua percepção humana e física.

“E sonhou [Jacó]: e eis 1) uma escada posta na terra, 2) cujo topo tocava nos céus; e eis que 3) os anjos de Deus subiam e desciam por ela; e eis que 4) o Senhor estava em cima dela, e disse: Eu sou o Senhor Deus de Abraão teu pai, e o Deus de Isaque; 5) esta terra, em que estás deitado, darei a ti e à tua descendência; e 6) a tua descendência será como o pó da terra, e 7) estender-se-á ao ocidente, e ao oriente, e ao norte, e ao sul, e 8) em ti e na tua descendência serão benditas todas as famílias da terra” (Gênesis 28.12-14).

Contemos os degraus: 1) era uma escada aparentemente ‘convencional’ com degraus fincada na terra; 2) mas seu topo tocava os céus; 3) haveria uma constante troca e cuidado espiritual entre as partes; 4) o Senhor definiria a relação; 5) uma terra seria dada 6) àquele povo que se formaria; 7) um dia chegaria aos limites marcados por Deus a Abraão, e 8) chegando ao ponto de transbordar suas bênçãos para o mundo todo.

O que queremos frisar, no entanto, é a diferença entre as condições envolvidas neste subir e descer de anjos (3º ponto) e a posição do Senhor na escada (4º ponto).

Em Jacó, uma escada convencional com degraus implicava num desenvolvimento progressivo no relacionamento entre Deus e a semente de Jacó. Etapas deveriam ser ‘superadas’ em direção celestial até o cumprimento cabal da profecia – a bênção expandida até os gentios de todas as nações (8º ponto). Isto demandaria tempo (nas sucessivas fases que seriam necessárias até o alcance do projeto divino para Israel e o mundo), e principalmente zelo por parte dos integrantes durante este tempo. Desnecessário lembrar a total negligência e mesmo rebeldia deste povo, interrompendo então o avanço do reino de Deus.

E se havia uma distância naquela escada entre Jacó e o Senhor que a encimava, naquele tempo distante de promessas a serem esperadas e cumpridas, não é o caso agora com Jesus, pois Ele está agora embaixo – Deus desceu!, como comentado em nossa nota anterior. Na incompetência de Jacó e Israel por extensão, Jesus toma seu lugar para cumprir o que foi desdenhado. E Sua comunicação com o reino de Deus seria contínua, perfeita e toda suficiente nos seus tratos com seu Pai e seus súditos.

Para Jesus, no entanto, não havia estágios a galgar, desenvolver ou ampliar (a escada não foi removida?!), pois seu Pai lhe confirmou alguns dias antes, em seu batismo por João Batista, quando “uma voz dos céus dizia: Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo” (Mt 3.17).

Seu posicionamento e relacionamento com o Pai eram perfeitos, sem lacunas ou distâncias a serem preenchidas, como garante o escritor de Hebreus – “Porque a lei constitui sumos sacerdotes a homens fracos, mas a palavra do juramento, que veio depois da lei, constitui ao Filho, perfeito para sempre... E, sendo ele consumado [ou morto], veio a ser a causa da eterna salvação para todos os que lhe obedecem” (Hebreus 7.28 e 5.9).

Digno de nota é a sequência imediata a esta visão celeste em João 2 – a água transformada em vinho e a expulsão dos cambistas do templo. De um lado, a provisão do sangue divino para uma oferta perfeita, e de outro, a purificação necessária da casa do Senhor em antecipação ao estágio final do reino de Deus entre os homens.

Outra nota interessante, no âmbito dos degraus a serem escalados, Paulo, próximo ao final de seu ministério aos gentios, cumprindo a promessa de Deus em levar seu reino ao mundo todo, estaca “em pé nas escadas, fez sinal com a mão ao povo; e, feito grande silêncio, falou-lhes em língua hebraica” (Atos 22.40).

O que o Espírito Santo propunha nesta intrigante cena simbólica?! Atreva-se e responda!

Nosso próximo artigo focará a maior necessidade humana – nascer...