Um sinal no mar - Lc8

Talvez não haja um sinal mais claro, específico e contundente a respeito da morte e ressurreição de Jesus do que o sinal vivido pelo profeta Jonas. Mas quando o lemos, nas palavras do Mestre, não nos apercebemos de uma variável discreta insinuada em um de seus pronunciamentos.

Vamos expor as duas citações principais para comparação.

“Mas ele lhes respondeu, e disse: Uma geração má e adúltera pede um sinal, porém, não se lhe dará [aos judeus] outro sinal senão o sinal do profeta Jonas; pois, como Jonas esteve três dias e três noites no ventre da baleia, assim estará o Filho do homem três dias e três noites no seio da terra” (Mateus 12.39-40).

“E, ajuntando-se a multidão, começou a dizer: Maligna é esta geração; ela pede um sinal; e não lhe será dado outro sinal, senão o sinal do profeta Jonas; porquanto, assim como Jonas foi sinal para os ninivitas, assim o Filho do homem o será também para esta geração” (Lucas 11.29-30).

No primeiro caso em Mateus (o livro do Rei), o maravilhoso sinal eternizado no livro de Jonas estava aberto para qualquer judeu aprender e ensinar. Como a cegueira espiritual predominava na nação, Jesus apenas concede ao sinal a sua interpretação correta, ou seu direcionamento, relacionando-o consigo mesmo em Sua morte e ressurreição.

Ou seja, o sinal de Jonas em sua íntegra era notório para qualquer judeu que lia ou ouvia. Não havia desculpas para torcer, recusar ou desdenhar o sinal que se cumpriria em Jesus, especialmente agora que Ele mesmo antecipava seu destino. Eram indesculpáveis em todos os sentidos.

No segundo caso relatado por Lucas (o livro do homem), o mesmo sinal de Jonas tem seu foco alterado – agora para os próprios ninivitas que ouviram a pregação de Jonas (“como Jonas foi sinal para os ninivitas”). Mas aqui eu pergunto:

Onde se deu o sinal de Jonas? Nas profundezas do mar ou na terra de Nínive? – No mar obviamente!

Porventura os ninivitas presenciaram tal sinal? – Claramente não!

O sinal de Jonas, em última análise, era um castigo imposto sobre Jonas mesmo, devido à sua rebeldia em não querer levar a mensagem de arrependimento e salvação a um povo gentio. Nada tinha a ver com os ninivitas propriamente. Este povo pagão somente recebeu a pregação de arrependimento, proclamada por este judeu, em sua caminhada de 3 dias por aquela grande cidade. Não houve milagres ou manifestação de poder sobrenaturais que atestavam sua mensagem. Apenas creram.

Quanta diferença! O povo de origem desprezou, e ainda despreza, um sinal por demais notório, decisivo e favorável à messianidade de Jesus, e como consequência reluta a se arrepender.

Um povo estranho, “separados da comunidade de Israel, e estranhos às alianças da promessa, não tendo esperança, e sem Deus no mundo” (Ef 2.12), se arrepende pela simples mensagem de um profeta judeu desconhecido.

Esta fé exercida pelo povo de Nínive tem seu paralelo ‘hoje’ quando gentios de todos os povos creem na mensagem simples do Evangelho.

“Para que a prova da vossa fé, muito mais preciosa do que o ouro que perece e é provado pelo fogo, se ache em louvor, e honra, e glória, na revelação de Jesus Cristo; ao qual, não o havendo visto, amais; no qual, não o vendo agora, mas crendo, vos alegrais com gozo inefável e glorioso; alcançando o fim da vossa fé, a salvação das vossas almas” (1 Pedro 1.7-9).

Assim, tanto o sinal conhecido de Israel pela Escritura, como o sinal de arrependimento dos ninivitas pela simples pregação verbal sem sinais visíveis, tornam-se motivo de dupla condenação para o povo escolhido. Por estes dois motivos Jesus conclui seus dois discursos diferenciados com a mesma ressalva condenatória.

“Os ninivitas ressurgirão no juízo com esta geração, e a condenarão, porque se arrependeram com a pregação de Jonas. E eis que está aqui quem é maior do que Jonas” (Mt 12.41 e Lc 11.31).

Tomé representa bem a dificuldade judaica em crer sem sinais.

“Disse-lhe Jesus: Porque me viste, Tomé, creste; bem-aventurados os que não viram e creram” (João 20.29).

Para nós, ‘ninivitas’ perdidos dentre tantas nações, o lema é outro.

“Porque andamos por fé, e não por vista” (2 Coríntios 5.7).

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Findamos assim nosso comentário do Evangelho de Lucas, e passamos para João – boas novas diferenciadas tanto do ponto de vista estrutural quanto de pensamento e direção.