Como saberei eu isto?! - Lc2
Há duas condições ímpares na Escritura que nos deixam sempre um tanto quanto atordoados.
A primeira é a esterilidade. E o termo tem muitas variantes sinistras – infecundidade, escassez, carestia, paralisação, aridez, inutilidade, sem proveito, falta, penúria. Esta era a triste condição de Sara, esposa de Abrão, na promessa de Deus a ele de que seria pai de muitas nações. Mas houve luz para eles, como sabemos.
E esta era a condição de Isabel, esposa do sacerdote Zacarias, que recebeu uma visão graciosa de que também teria um filho, apesar da esterilidade da esposa e da velhice de ambos. E também para eles a luz se manifestou, apesar das dúvidas do sacerdote, mesmo quando era resposta de suas próprias orações do passado – profecia esta dada/recebida ao lado do altar de incenso, como cabia ao seu turno de trabalho no templo de Jerusalém (Lc 1.7-17).
A outra condição, esta sem nenhuma similaridade, era a virgindade de Maria, quando o mesmo anjo Gabriel lhe aparece e lhe promete um filho sem que tivesse relacionamento com seu prometido marido. E houve luz para a virgem, e esperança para José.
Não vamos discutir os milagres em si mesmos por serem objeto de ação divina, pois como Gabriel asseverou – “para Deus nada é impossível” (1.37).
Queremos olhar o intangível, o que está escondido aos olhos dos sábios, o invisível que se recolhe atrás dos propósitos mais elevados de Deus.
A condição destas duas mulheres narradas pelos Evangelhos – Isabel e Maria – representam a condição máxima, universal e dramática de cada cidadão e cidadã que pisou, tem pisado e ainda pisará sobre a face de nosso pequeno mundo.
Eis o que somos – infecundos, escassos, pobres, paralisados, áridos, inúteis, sem proveito algum, faltosos, sem o mínimo para a sobrevivência – e isto aos olhos de Deus, do ponto de vista de Seu reino.
Quem poderia gerar, humanamente falando, um ‘João Batista’ – “grande diante do Senhor, cheio do Espírito Santo, já desde o ventre de sua mãe, no espírito e virtude de Elias” (1.17)?!
E quem jamais poderia gerar um ‘Jesus’ – “o Santo, chamado Filho de Deus, filho do Altíssimo" (1.32-35)??!!
Quando se trata do mundo espiritual, somente “O Senhor, Deus dos espíritos de toda a carne” (Nm 27.16), tem poder, autonomia e competência para agir livremente, ainda que todas as hostes do mal e do inferno operem contrariamente.
A carne não pode produzir tal fruto excelente – somente o Espírito Santo da parte de Deus. E daqui quero espraiar o assunto a outro campo, não menos misterioso – o nascer de novo, ou do alto, como pormenorizou o filho do Altíssimo.
“Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus... aquele que não nascer da água e do Espírito [a tradução literal seria – da água e do vento; a interpretação exigiria – da Palavra e do Espírito], não pode entrar no reino de Deus” (João 3.3-6).
Assim como nascemos para este mundo físico através da união de duas sementes físicas, o nascimento espiritual para o mundo espiritual, também depende das 2 sementes espirituais catalogadas acima.
E assim como não tivemos nenhuma participação no físico, já que não decidimos nascer para este mundo, antes foi uma geração decidida pelos pais, também o nascer de novo depende de uma atitude unilateral de Deus, em que não temos nenhuma participação.
Se há dúvida no que estou dizendo, a linguagem de Jesus é muito clara no mesmo contexto do novo nascimento acima.
“Não te maravilhes de te ter dito: Necessário vos é nascer de novo. O vento [ou Espírito na tradução acima] assopra onde quer, e ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai; assim é todo aquele que é nascido do Espírito” (Jo 3.7-8).
O Espírito sopra onde quer, na intensidade que quer, na constância que bem entende, pelo tempo que é devido somente a Ele, e pára somente quando deseja.
Ou como Paulo arremata na fala de Deus a Moisés.
“Compadecer-me-ei de quem me compadecer, e terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia. Assim, pois, isto não depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus, que se compadece” (Romanos 9.15-16).
Podemos não entender a doutrina, nem mesmo desejá-la, já que vai contra nossa arrogância natural, mas não podemos entortá-la para que penda a favor de quem quer que seja.
O novo nascimento provém de Deus – exclusivamente. Nossa esterilidade espiritual e nossa falta de relacionamento correto com Deus não pode alterar nosso pobre destino – a menos que Deus Se compadeça e venha em nossa busca.
Retocaremos o assunto em nosso próximo comentário, visto de outro ângulo – uma simples tabuinha em que foi escrito o nome de João Batista.