Tudo começa no deserto - Mc3
Como dissemos em nosso comentário inicial neste exame do evangelho de Marcos, tudo principia no deserto. João Batista e Jesus se encontram ali – não por acaso.
Este é o lugar sem atrativos, sem descanso e sem recursos. Os atrativos seriam suas pregações; o descanso viria pela fé exercida naquelas palavras que tinham poder de transformação; e os recursos decorreriam exclusivamente pelo Espírito que os movia.
O deserto tinha uma sublime peculiaridade – só iria para lá quem era de alguma forma atraído pelos personagens em questão, e só permaneceria ali o que realmente havia sido tocado pela Palavra viva.
Muitos foram, mas poucos permaneceram lá. O deserto tinha esta força de divisão santa, que hoje nossas denominações não possuem...
Mas pergunto – por que o deserto?! Respondo – porque para Israel tudo começou ali. E o que houve lá?!
“Quantas vezes o provocaram no deserto, e o entristeceram na solidão! Voltaram atrás, e tentaram a Deus, e limitaram o Santo de Israel.” (Salmo 78.40-41).
Cinco terríveis verbos – provocar, entristecer, voltar, tentar, limitar – mostram toda nossa triste condição humana, e nisto ninguém falha.
Assim, o perfeito servo tinha que ser testado nas mesmas condições. Em que o povo todo falhou, Ele tinha que vencer. Por isto, mal saído das águas, logo partiu para sua tentação pessoal. E não há tempo de despedida para o servo.
“E ouviu-se uma voz dos céus, que dizia: Tu és o meu Filho amado em quem me comprazo. E logo o Espírito o impeliu para o deserto” (Mc 1.11-12).
A contradição não poderia ser maior – aqueles comeram a se fartar do maná e se perderam; este, sozinho, com fome e sede, tentado por Satanás em pessoa, venceu!
Por isto o livro de Hebreus calcula muito bem.
“Porque não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas; porém, um que, como nós, em tudo foi tentado, mas sem pecado... Porque naquilo que ele mesmo, sendo tentado, padeceu, pode socorrer aos que são tentados” (4.15; 2.18).
E foi no deserto que os dois grandes milagres da multiplicação dos pães ocorreram. Os olhos carnais viam o deserto, a hora avançada, a falta de recursos, a distância e a solução racional da despedida. O servo perfeito via ovelhas desgarradas, o momento exato para testar a fé dos discípulos, o Deus que provê, a proximidade gloriosa do Pai, e a solução daquele que tão somente crê e age neste princípio.
“Para os homens é impossível, mas não para Deus, porque para Deus todas as coisas são possíveis” (Mc 10.27).
Mas havia uma condição externa que precisava ser cumprida pelo povo – ordem.
“E ordenou-lhes que fizessem assentar a todos, em ranchos, sobre a erva verde. E assentaram-se repartidos de cem em cem, e de cinquenta em cinquenta” (Mc 6.39-40).
Eles precisavam lembrar que faziam parte das 12 tribos eleitas de Israel, e Jesus queria alterar esta condição a que eles mesmos haviam se sujeitado.
“Os filhos de Israel armarão as suas tendas, cada um debaixo da sua bandeira, segundo as insígnias da casa de seus pais; ao redor, defronte da tenda da congregação, armarão as suas tendas” (Números 2.2).
Quanta diferença do que Jesus via – e ninguém notava; de como o verdadeiro servo agia, e todos apenas se admiravam. E hoje tudo não se encontra da mesma maneira?...
“E Jesus, saindo, viu uma grande multidão, e teve compaixão deles, porque eram como ovelhas que não têm pastor; e começou a ensinar-lhes muitas coisas” (Mc 6.34).
Paulo entendia destas coisas.
“Mas faça-se tudo decentemente e com ordem” (1 Co 14.40).
Este é o deserto, e não à toa Israel deverá ser novamente reconduzido para lá.
“E vos tirarei dentre os povos, e vos congregarei das terras nas quais andais espalhados, com mão forte, e com braço estendido, e com indignação derramada. E vos levarei ao deserto dos povos; e ali face a face entrarei em juízo convosco; como entrei em juízo com vossos pais, no deserto da terra do Egito, assim entrarei em juízo convosco, diz o Senhor DEUS” (Ezequiel 20.34-36).
Este é o único lugar em que nosso caráter vem a tona, e o de Deus é revelado.