O novilho e o altar - Mc2

Marcos espelha a face do servo perfeito, assim como nas figuras do Antigo Testamento o boi ou novilho indicavam a pronta servidão. A primeira aparição do termo ‘novilho’ em toda Escritura se encontra na santificação do sacerdote na sua entrada ao ministério, como podemos ler:

“Isto é o que lhes hás de fazer [aos sacerdotes], para os santificar, para que me administrem o sacerdócio: Toma um novilho [boi jovem que ainda não foi utilizado para força] e dois carneiros sem mácula [ou defeito]... E farás chegar o novilho diante da tenda da congregação, e Arão e seus filhos porão as suas mãos sobre a cabeça do novilho; e imolarás o novilho perante o Senhor, à porta da tenda da congregação. Depois tomarás do sangue do novilho, e o porás com o teu dedo sobre as pontas do altar, e todo o sangue restante derramarás à base do altar” (Êxodo 29.1).

Observe que o sangue do novilho não era para purificação dos sacerdotes propriamente (eles não confessavam seus pecados sobre ele), mas para uni-los aos desígnios do altar. Uma ligação eterna se esconde neste ato de submissão do ministro, ao impor suas mãos sobre o novilho, e o sangue deste ao ungir o altar do sacrifício. A submissão do sacerdote estará irremediavelmente unida às necessidades do altar e à simbologia do novilho.

Jesus, em Si mesmo, cumpre esta ligação maravilhosa.

“E disse: Aba, Pai, todas as coisas te são possíveis; afasta de mim este cálice; não seja, porém, o que eu quero, mas o que tu queres” (Marcos 14.36).

“Porque o Filho do homem também não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de muitos” (Marcos 10.45).

O verdadeiro sacerdote se dispôs voluntariamente ao serviço, e nesta submissão recebeu a pena do pecado que santifica os sacerdotes humanos e os aproxima do altar.

Continuando nesta disposição abnegada de Jesus em servir a Deus e Seus desígnios, o evangelho de Marcos nada fala de genealogia, nascimento, manjedoura ou família, mas tudo começa pelo deserto – lugar onde não encontramos nenhum atrativo, nenhuma riqueza, nenhum descanso. Ele não tinha tempo para cuidar de Si.

“E ele lhes disse: Vamos às aldeias vizinhas, para que eu ali também pregue; porque para isso vim” (Mc 1.38).

E como servo perfeito, que buscava agradar seu Pai em tudo, se indignava da incompetência de seus conservos.

“E ele, respondendo-lhes, disse: Ó geração incrédula! até quando estarei convosco? até quando vos sofrerei ainda?” (9.19).

Seus suspiros – os dois únicos mencionados, somente neste Evangelho – denotam bem seu cansaço, ou mesmo sua indignação para com a má vontade alheia.

“E, suspirando profundamente em seu espírito, disse: Por que pede esta geração um sinal? Em verdade vos digo que a esta geração não se dará sinal algum” (8.12).

“E, levantando os olhos ao céu, suspirou, e disse: Efatá; isto é, Abre-te” (7.34).

“E estava admirado da incredulidade deles. E percorreu as aldeias vizinhas, ensinando” (6.6).

Mesmo o livro de Salmos já anotava as características deste servo humilde.

“Piedoso e benigno é o Senhor, sofredor e de grande misericórdia” (Sl 145.8).

“Porém tu, Senhor, és um Deus cheio de compaixão, e piedoso, sofredor, e grande em benignidade e em verdade” (Sl 86.15).

Sua necessidade em servir perfeitamente seu Pai suplantava inclusive os laços familiares.

“Porquanto, qualquer que fizer a vontade de Deus, esse é meu irmão, e minha irmã, e minha mãe” (Mc 3.35).

Mas não é Marcos quem atrela seu trabalho incansável como servo humano à Sua divindade. O evangelho de João, que mira sua divindade, fará a ponte de ligação.

“E Jesus lhes respondeu: Meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também” (Jo 5.17).

O servo trabalha incansavelmente, antes de tudo, porque era um com o Pai – um não poderia trabalhar sem a ação do outro.

Quem poderia ordenar corretamente? O Filho trabalha porque o Pai trabalha – ou o Pai trabalha porque o Filho trabalha?

Não há problemas quanto a isto na mente e nas ações de Deus. Na bendita Trindade, um não pode exercer algo que o outro não exerça plenamente.

Jesus é, em certo sentido, a face servil e visível do Deus Onipotente, nos tratos Dele com a humanidade.

A seguir sentiremos o chão quente do deserto.