Gente velha
A culpa é do tempo.
O tempo gasta tudo, estraga tudo e a tudo destrói. O tempo é corrosivo e devolve à beleza da vida o trágico dilema da velhice.
Envelhecer é péssimo. Morrer, como diria Chico Anísio, é uma pena!
Mas morrer é irremediável. E ninguém sabe dia, hora, nem causa, exceto aqueles que deliberam livremente sobre a própria morte, e aí, é contrariedade.
Viver cem anos na era dos enlatados é um grande privilégio. Coisa para poucos, para os que percorreram um caminho bonito e bem trilhado. Poxa! Que distinção de nobreza!
Na beirada dos cem, qualquer vacilo é causa de morte. Mas quem vive tanto assim só o consegue por ser bem aventurado, bem assistido, muito amado. Não dá pra chegar tão longe sozinho, sem o amparo, a dedicação e o amor de quem os cerca.
Mas também há que se lembrar que sem uma rede de cuidados, o eleito cuidador não dá conta de tudo, ou de acertar sempre, pois também precisa existir em sua humanidade, precisa ter vida, ser gente.
Se por um instante a vida escapa e um outro assume o lugar de quem sempre esteve ali, não é justo culpar, julgar e condenar aquele que não estava lá na hora H.
Há que se ter um pouco de empatia. Até porque a hora H é apenas mais uma hora dentro de uma vida centenária inteira.
E a rede de proteção que envolve o idoso centenário deve ser harmoniosa, mesmo porque cada pessoa está ali doando tudo de melhor que possui. É por amor que se doa e se algo foge da curva, se foge do esperado, não é por falta de cuidado ou afeto, é só culpa do tempo, esse devorador de pulmões, memórias e saúde.
Que cada velhinho possa sentir ao seu redor vibrações positivas, de afeto, carinho e amor, jamais uma atmosfera de ódio, acusação, culpa.
O que mata gente velha, nem sempre é doença, às vezes é mal sentimento.