Jacó e Israel – criação e posição - Is3
Estas duas faces do mesmo povo aparecem – levando em conta a proximidade dos termos e sua relação na mesma frase – pelo menos 22 vezes pelo texto de Isaías. Já tivemos oportunidade de falar sobre este número em alguma outra nota.
O mais importante que devemos entender é que, apesar dos dois termos se referir à mesma nação formada da semente de Abraão, não falam sempre da mesma posição deste povo diante de Deus. São intercambiáveis em certos momentos, mas únicas diante do contexto apresentado, e que só uma leitura mais detalhada e minuciosa pode revelar.
A distinção precisa dos termos traz mais clareza no entendimento das profecias relacionadas a este povo, e – por que não dizer? – principalmente para a Igreja corpo de Cristo que teima infantilmente que é a continuidade espiritual de Israel.
Vamos escolher os exemplares mais claros para demonstrar nossa proposição, e comecemos pela primeira aparição, sempre a norteadora do sentido geral.
“O Senhor enviou uma palavra a Jacó, e ela caiu em Israel” (Is 9.8) – uma palavra foi enviada para todo o Jacó, mas caiu de forma frutífera somente sobre Israel.
“Agora, pois, ouve, ó Jacó, servo meu, e tu, ó Israel, a quem escolhi” (44.1) – dentro de todos os servos, alguns foram escolhidos e separados.
“Dá-me ouvidos, ó Jacó, e tu, ó Israel, a quem chamei” (48.12) – há uma diferença entre Jacó que deveria ouvir e Israel que atendeu ao chamado.
“Mas agora, assim diz o SENHOR que te criou, ó Jacó, e que te formou, ó Israel: Não temas, porque eu te remi; chamei-te pelo teu nome, tu és meu” (43.1) – criar tem o sentido de trazer à existência, formar implica algo mais íntimo.
“Por amor de meu servo Jacó, e de Israel, meu eleito” (45.4) – ainda que Israel seja o eleito precioso, contudo Deus ainda ama Jacó.
Esta primeira parte, podemos dizer, focou a essência antagônica de ambos. Passemos ao posicionamento deles.
“Contudo tu não me invocaste a mim, ó Jacó, mas te cansaste de mim, ó Israel” (43.22). – conquanto Jacó nunca invocou em verdade o seu Deus, Israel se cansou deste relacionamento especial e único.
“Por que dizes, ó Jacó, e tu falas, ó Israel: O meu caminho está encoberto ao Senhor, e o meu juízo passa despercebido ao meu Deus?” (40.27) – enquanto Jacó acha que seus caminhos sórdidos estão escondidos aos olhos do Senhor, a porção espiritual conclui erroneamente que Deus não se importa com seu sofrimento (não parece os dias de hoje?).
“Ouvi isto, casa de Jacó, que vos chamais do nome de Israel, e saístes das águas de Judá, que jurais pelo nome do SENHOR, e fazeis menção do Deus de Israel, mas não em verdade nem em justiça” (48.1) – ainda que Jacó jure perante Deus e a si mesmo que são filhos de Abraão, suas obras infrutíferas testificam contra ela mesma.
Acho que podemos lembrar alguns textos que corroboram perfeitamente esta dicotomia, começando por João Batista e chegando os lábios do próprio Messias de Israel.
“Produzi, pois, frutos dignos de arrependimento; e não presumais, de vós mesmos, dizendo: Temos por pai a Abraão; porque eu vos digo que, mesmo destas pedras, Deus pode suscitar filhos a Abraão” (Mt 3.8-9).
“Assim os derradeiros serão primeiros, e os primeiros derradeiros; porque muitos são chamados, mas poucos escolhidos” (Mt 20.16).
“Em verdade vos digo que muitas viúvas existiam em Israel [abrangendo o termo Jacó] nos dias de Elias...E a nenhuma delas foi enviado Elias, senão a Sarepta de Sidom [uma viúva não judia]... E muitos leprosos havia em Israel no tempo do profeta Eliseu, e nenhum deles foi purificado, senão Naamã, o siro [um leproso não judeu]” (Lc 4.25-27).
“Ai de ti, Corazim, ai de ti, Betsaida! [cidades de Israel situadas na Galiléia dos gentios] Porque, se em Tiro e em Sidom [cidades gentílicas] se fizessem as maravilhas que em vós foram feitas, já há muito, assentadas em saco e cinza, se teriam arrependido” (Lc 10.13).
Em suma, Jacó é toda a semente de Abraão que nasceu da carne, Israel é o pouco ou o remanescente que veio à luz pela fé no Deus de Abraão. Aquele é somente carne, este é carne e espírito.
Jacó é aquele que partiu vazio ao enganar seu irmão e viveu refugiado como servo em terra distante, trabalhando por coisas terrenas – sua família e seus bens materiais. Certo que voltou cheio, mas ainda temeroso pelo mesmo irmão. Mas somente depois de lutar com um certo anjo teve o nome mudado em Israel – mas ao custo de sair ferido da batalha, e daí coxeando para sempre.
É o que Paulo vai propor em figura.
“E beberam todos de uma mesma bebida espiritual, porque bebiam da pedra espiritual que os seguia; e a pedra era Cristo. Mas Deus não se agradou da maior parte deles, por isso foram prostrados no deserto” (1 Co 10.4-5).
Como um lembrete de Paulo à sua amada Igreja, ele resume.
“E estas coisas nos foram feitas em figura, para que não cobicemos as coisas más, como eles cobiçaram” (1 Co 10.6).
Continuaremos o assunto a seguir.