O segundo amigo - Jó5

As palavras de Bildade seguem as de seu amigo primeiro, mas com alguns acréscimos perigosos. Será que ele foi contaminado pelo discurso acusatório do outro? Passemos ao melhor de seus 3 discursos.

“Porventura perverteria Deus o direito? E perverteria o Todo-poderoso a justiça? Se teus filhos pecaram contra ele, também ele os lançou na mão da sua transgressão” (8.3-4).

Para ele não havia dúvida de que Deus só estava retribuindo o que os filhos de Jó haviam plantado. O mais interessante é que Bil já começa sua fala tocando no ponto mais fraco de um pai já em agonia. Ele até poderia tratar com Jó que o ouvia, mas jamais acusar os filhos que não poderiam se defender.

E o que encontramos na segunda fala? Afora a continuação de seus ataques pessoais aos ímpios – e Bil frisava nas ‘entrelinhas’ que Jó era um deles – encontramos duas profecias que jamais poderiam se concretizar.

“A sua memória perecerá da terra, e pelas praças não terá nome” (18.17).

A prova memorial de que Jó não se enquadrava nos moldes de seu segundo acusador é o próprio livro de Jó que ora estudamos, escrito há milênios e divinamente preservado até hoje e para sempre. Não só alivia a dor dos que porventura se encontrem nestas tristes circunstâncias, como condena todos os caluniadores de todos os tempos.

“Não terá filho nem neto entre o seu povo, e nem quem lhe suceda nas suas moradas” (18.19).

Seu vaticínio falso não contava com a restauração de Jó e o prolongamento de sua semente multiplicada em 10, como atesta o último capítulo de seu livro.

Deixo duas passagens que calam a voz da ignorância, da incredulidade e da impiedade que também se erguerão em breve contra os ungidos do Senhor, na tentativa de invalidar nossa memória e nossa filiação garantidas em Cristo.

“Ao que vencer darei eu a comer do maná escondido, e dar-lhe-ei uma pedra branca, e na pedra um novo nome escrito, o qual ninguém conhece senão aquele que o recebe” (Ap 2.17).

“Porque convinha que aquele, para quem são todas as coisas, e mediante quem tudo existe, trazendo muitos filhos à glória, consagrasse pelas aflições o príncipe da salvação deles. Porque, assim o que santifica, como os que são santificados, são todos de um; por cuja causa não se envergonha de lhes chamar irmãos” (Hb .10-11).

Obrigado, Senhor Jesus, por ter descido a este vale de impiedade, injustiças e pecado, com a árdua tarefa de morrer exatamente por estes que tudo a Ti devem, e, paga a sentença de morte eterna que nos cabia, não só nos dá um novo nome que brilhará para sempre pela eternidade afora, mas nos coloca dentro da família de Deus ao nos chamar carinhosamente ‘irmãos’.

Mas o que nos reserva o terceiro e último discurso de Bildade?

"Como, pois, seria justo o homem para com Deus, e como seria puro aquele que nasce de mulher?... E quanto menos o homem, que é um verme, e o filho do homem, que é um vermezinho!” (25.4-6).

Como garante Paulo em sua carta aos Romanos bem mais à frente no tempo– “Não há um justo, nem um sequer. Não há ninguém que entenda. Não há ninguém que busque a Deus. Todos se extraviaram, e juntamente se fizeram inúteis. Não há quem faça o bem, não há nem um só” (Rm 3.10-12).

Realmente nem Jó poderia ser justo sob o peso desta condenação divina, e ele nunca se eximiu desta justiça santa que provém de Deus. Ele mesmo já tinha chegado a esta conclusão.

Então Jó respondeu, dizendo: Na verdade sei que assim é; porque, como se justificaria o homem para com Deus?... Porque, ainda que eu fosse justo, não lhe responderia; antes ao meu Juiz pediria misericórdia” (9.1-2,15).

O problema era mais complexo do que parecia. Se, como acertou Bildade, ninguém será justo aos olhos de Deus, então ninguém será salvo ao final, ainda que suas vidas fossem retas na prática das relações humanas. Mas e dentro da relação divina?

Jó estava um passo à frente de seu oponente. Ele podia confiar na misericórdia de Deus porque ele mesmo profetizou:

“Quem me dera agora, que as minhas palavras fossem escritas! Quem me dera, fossem gravadas num livro! [e graças a Deus foram!]... Porque eu sei que o meu Redentor vive, e que por fim se levantará sobre a terra [e é bem provável que ele não entendesse plenamente o conceito do Filho se levantando da terra e se assentando aos céus]. E depois de consumida a minha pele, contudo ainda em minha carne verei a Deus, vê-lo-ei, por mim mesmo, e os meus olhos, e não outros o contemplarão; e por isso os meus rins se consomem no meu interior (19.23-27).

Bildade via a justiça no campo meramente humano – Jó ia muito além ao antever profeticamente, graças à sua comunhão contínua e íntima com seu Deus, a redenção propiciatória de um Redentor divino-humano, como ele atesta em outro lugar.

“Porque ele [Deus] não é homem, como eu, a quem eu responda, vindo juntamente a juízo. Não há entre nós árbitro que ponha a mão sobre nós ambos (9.32-33).

Por isto o Filho de Deus se fez verme, para ser um perfeito mediador entre Deus e os homens e dispor graciosamente da redenção pela fé no seu sangue.

“Mas eu sou verme, e não homem, opróbrio dos homens e desprezado do povo. Todos os que me veem zombam de mim, estendem os lábios e meneiam a cabeça, dizendo: Confiou no Senhor, que o livre; livre-o, pois nele tem prazer” (Sl 22.6-8).

“Porque não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas; porém, um que, como nós, em tudo foi tentado, mas sem pecado” (Hb 4.15).

Bildade bem reconhecia o homem como verme, mas não passava disso. Jó antevia um Redentor divino – pela fé – que se levantaria da terra em nosso favor. Com todo sofrimento e miséria que Jó passava, ele ainda tinha um testemunho melhor que seus amigos.

O segundo amigo também falava segundo a justiça que vem dos homens pela lei.

Jó falava de uma justiça que vinha do próprio Deus pela misericórdia, e que durava para sempre.

Mas passemos ao terceiro amigo.