O primeiro amigo - Jó4
Antes de analisarmos os (pre)conceitos de Elifaz, seu primeiro amigo, vamos observar como os discursos de todos os envolvidos foram dispostos pelo livro de Jó.
Devemos notar que, em forma de discursos e réplicas alternadas entre os envolvidos do grupo humano, cada um fez 11 falas. Jó fez 11 falas sozinho, enquanto seus 4 amigos juntos replicaram 11 vezes. Elifaz, Bildade e Eliú formularam 3 falas cada um (desconsiderando a divisão por capítulos), e somente Zofar 'destilou' sua sabedoria duas vezes.
Obviamente Jó foi o que mais se pronunciou, visto que respondia a cada argumento e também era o que mais sofria. Defender-se é sempre mais difícil que acusar.
Deus faz um discurso único ao final, mas dividido pela marcação textual – “Respondeu mais o SENHOR a Jó”. Tentaremos elucidar esta divisão ao final.
Passemos ao caso de Elifaz, o primeiro 'amigo'. Vamos transcrever suas principais falas em cada uma de suas 3 réplicas e que indicam bem seu (pre)julgamento do que se passava na vida de Jó.
“Segundo eu tenho visto, os que lavram iniquidade, e semeiam mal, segam o mesmo” (4.8) – seria o mesmo que dizer que Jó semeou o mal e o colheu.
“Bem vi eu o louco lançar raízes; porém logo amaldiçoei a sua habitação. Seus filhos estão longe da salvação; e são despedaçados às portas, e não há quem os livre” (5.3-4) – pelo prisma deste amigo, Jó não só colheu o mal que plantou, como ainda condenou seus filhos à perdição, quando a Escritura mostra contrariamente que ele ainda sacrificava de forma preventiva caso seus filhos tivessem pecado.
Em sua segunda réplica ele acrescenta.
“Porque a tua boca declara a tua iniquidade; e tu escolhes a língua dos astutos. A tua boca te condena, e não eu, e os teus lábios testificam contra ti” (15.5-6) – ou seja, não sou eu, Elifaz, que não te compreendo, mas você Jó te condena a ti mesmo, o que me faz idôneo e me inocenta nos meus (pre)julgamentos sobre você.
“Quanto mais abominável e corrupto é o homem que bebe a iniquidade como a água?” (15.16) – suas palavras vão pesando mais em vez de aliviar.
Sua terceira fala arremata impiedosamente.
“Porventura será o homem de algum proveito a Deus?... Ou tem o Todo-Poderoso prazer em que tu sejas justo...?” (22.2-3) – certo é que o homem não traz proveito ao bem estar de Deus, mas dizer logo em seguida que Deus não se compraz com a justiça dos seus santos, é perverter todos os caminhos do Criador sobre suas criaturas. Se Deus não tem prazer em nossa justiça, por que Ele o exige de nós e nos condena em caso contrário?
E depois de condenar positiva e cabalmente seu amigo com palavras cruéis deste naipe – “Não deste ao cansado água a beber”, “As viúvas despediste vazias”, “Por isso é que estás cercado de laços...” (22.7-10) – quando Jó garantiu firmemente em sua defesa que sua vida foi pautada pela justiça ao próximo e a Deus, Elifaz arremeta num lance de piedade digna de fariseus:
“Se te voltares ao Todo-Poderoso, serás edificado; se afastares a iniquidade da tua tenda... Então o Todo-Poderoso será o teu tesouro [uma alusão arrogante ao seu próprio nome que significaria ‘Meu Deus é ouro puro’ ou ‘Deus é meu tesouro’]... Porque então te deleitarás no Todo-Poderoso, e levantarás o teu rosto para Deus” (22.23-26).
Jó nunca se apartou do Todo-Poderoso como queria fazer crer seu amigo. Ele se indignou justamente porque suas obras estavam de acordo com sua fé e submissão ao seu Deus, não entendendo os motivos mais profundos para tanto sofrimento.
Mas agora te peço que faça um simples exercício que te fará bem à alma. Volte um pouco mais acima e releia os testemunhos de Elifaz sem o contexto da vida de Jó, ou seja, o texto isolado em si mesmo. Depois retorne daqui...
Suas palavras de sabedoria estão em perfeita consonância com toda a Escritura. Os Salmos são repletos destas verdades ditas de muitas formas e através de muitas figuras. O problema não estava na semente, mas na terra. A palavra era perfeita, mas não naquela ocasião e para aquele homem. Ele lançou palavras verdadeiras ao homem errado, palavras de justa sabedoria a alguém que era mais justo e sábio que seu acusador.
Meu pai lançou em nosso rosto muitas vezes uma passagem que só descobrimos muito tempo depois – Mateus 7.1.E esta palavra dita há tanto tempo ainda está em pleno vigor, para todo e qualquer mortal.
A seguir vamos ouvir as palavras do segundo amigo.