Deus e o diabo na esfera do céu - Jó2
Como bom estudante de Teologia em toda minha vida cristã, sempre achei insuficiente aquela divisão – muito humana aliás – da vontade do Senhor entre ativa e permissiva. Deus quer (soberanamente ativo) e Deus permite (soberanamente passivo). Quando permite é porque a culpa não é dele, mas simplesmente quis permitir. Como se ao permitir, ficasse totalmente isento da responsabilidade do ocorrido.
E certamente a culpa (estamos falando de culpa agora e não responsabilidade!) não passa para ele. Como poderíamos culpar a Deus pela transgressão de Adão? Ou mesmo pelos nossos pecados? Ninguém poderia culpá-lo por algo que Ele mesmo não cometeu. Foram seus agentes livres que trouxeram à tona o pecado e abriram a porta ao castigo divino.
Mas o que eu quero acentuar não é a culpa, e sim a responsabilidade. Vamos ao caso específico de Jó, transcrevendo apenas sobre a justiça de Jó enfatizada por Deus e sua ‘permissão’ quanto à tentação do diabo.
“E disse o Senhor a Satanás: Observaste tu a meu servo Jó? Porque ninguém há na terra semelhante a ele, homem íntegro e reto, temente a Deus, e que se desvia do mal...
Então respondeu Satanás ao Senhor... estende a tua mão, e toca-lhe em tudo quanto tem, e verás se não blasfema contra ti na tua face...
E disse o Senhor a Satanás: Eis que tudo quanto ele tem está na tua mão; somente contra ele não estendas a tua mão. E Satanás saiu da presença do Senhor” (1.8-12).
Como podemos deduzir desta fala do próprio Deus, que sua atitude tenha sido apenas permissiva? Ele simplesmente poderia ter respondido ao seu maior inimigo – Xô!!! Não adianta querermos isentar Deus de responsabilidade neste caso, embora a culpa estivesse nas mãos do tentador.
A partir do momento que Deus tinha conhecimento da integridade de seu servo Jó, que passou o direito ao inimigo de testá-lo, que Deus tinha poder de impedi-lo da ação tentadora – não podemos retirar Sua responsabilidade sobre o caso todo, do início ao fim.
Mas fique tranquilo! – Deus não precisa pedir desculpas pelo seus atos. E é aqui o ponto em que quero chegar, pela arrogância dos tempos em que vivemos. Como se o Criador de todas as coisas não tivesse o direito de agir segundo sua vontade livre e soberana, vontade esta que foi passada aos homens em certo grau, e que sabemos usar dela com muita astúcia e ‘direito’.
“Mas, ó homem, quem és tu, que a Deus replicas? Porventura a coisa formada dirá ao que a formou: Por que me fizeste assim? Ou não tem o oleiro poder sobre o barro, para da mesma massa fazer um vaso para honra e outro para desonra?” (Rm 9.20-21).
Podemos não entender. Podemos não aceitar. Mas não podemos alterar o sentido óbvio destas palavras. Deus é, no sentido mais absoluto da palavra, dono e Senhor sobre tudo e todos.
“Só tu és Senhor; tu fizeste o céu, o céu dos céus, e todo o seu exército, a terra e tudo quanto nela há, os mares e tudo quanto neles há, e tu os guardas com vida a todos; e o exército dos céus te adora” (Ne 9.6).
“Do SENHOR é a terra e a sua plenitude, o mundo e aqueles que nele habitam” (Sl 24.1).
Para Satanás, o caso de Jó – crendo que ele não suportaria e pecasse – seria objeto de desculpa para si mesmo, uma vez que no passado ele também foi galardoado de forma excepcional no céu. Ele somente se esqueceu de que ele pecou de posse de sua função celestial, e não depois que Deus retirasse sua bênção sobre ele.
Para Deus, seria não só uma aprovação do seu próprio caráter galardoador sobre aqueles que o buscam em sinceridade de coração, mas também um exemplo ou figura dos sofrimentos maiores do redentor divino – Jesus – em vida absolutamente justa e santa.
Para Jó, um passo a mais no aperfeiçoamento de seu caráter e fé. Paulo conhecia bem esta conjuntura.
“E disse-me: A minha graça te basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza. De boa vontade, pois, me gloriarei nas minhas fraquezas, para que em mim habite o poder de Cristo. Por isso sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias por amor de Cristo. Porque quando estou fraco então sou forte” (2 Co 12.9-10).
Tudo o que se envolveu no drama terrível daquela família, era da responsabilidade de Deus – não permissiva – mas ativa. Do Deus que “conhece a nossa estrutura; lembra-se de que somos pó” (Sl 103.14).
“Porque sem mim nada podeis fazer” (Jo 15.5).
Ao final, Deus aparece a Jó exatamente porque sabia que era responsável por aquele sofrimento. Inversamente, a Paulo Deus aparece antes do sofrimento, para prepará-lo à grandeza do seu chamado missionário.
Há uma frase no livro ‘O pequeno príncipe’ que fiz questão de decorar.
“Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”.
Nosso Senhor é responsável por absolutamente tudo que acontece... mas tudo com um propósito gracioso, digno do Deus de Israel e da Igreja, corpo de Cristo.
“Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai das misericórdias e o Deus de toda a consolação; que nos consola em toda a nossa tribulação, para que também possamos consolar os que estiverem em alguma tribulação, com a consolação com que nós mesmos somos consolados por Deus.
Porque, como as aflições de Cristo são abundantes em nós, assim também é abundante a nossa consolação por meio de Cristo” (2 Co 1.3-5).