Saul – o rei segundo a carne - 1Sm5

Enquanto Samuel julgava Israel, tudo ia relativamente bem. Mas ele envelhece, e seus filhos passam a julgar em seu lugar. “Seus filhos, porém, não andaram nos caminhos dele, mas desviaram-se após o lucro e, recebendo peitas, perverteram a justiça” (8.3).

Talvez Samuel tivesse descurado um pouco na educação dos filhos, diante das necessidades do povo e seu zelo por Deus. Nem sempre conseguimos vencer em todas as áreas, e mais cedo ou mais tarde todos percebemos esta dificuldade comum.

“Então todos os anciãos de Israel se congregaram, e vieram ter com Samuel, a Ramá, e lhe disseram: Eis que já estás velho, e teus filhos não andam nos teus caminhos. Constitui-nos, pois, agora um rei para nos julgar, como o têm todas as nações (8.4-5).

A resposta para nossas dificuldades não está em observar o que os que nos cercam fazem, mas buscar a orientação do Senhor. Ele sempre dará uma saída mais honrosa, duradoura e edificante.

O Senhor não tem dúvida do que se passava no coração daquele povo.

“Disse o Senhor a Samuel: Ouve a voz do povo em tudo quanto te dizem, pois não é a ti que têm rejeitado, porém a mim, para que eu não reine sobre eles” (8.7).

Saul será a resposta em equivalência do coração seco e duro daquele povo. Foi Deus quem o escolheu, é bem verdade, mas ele foi levantado para mostrar àquele povo que haveria um alto preço a se pagar por se afastar do Deus vivo.

Quero me basear numa passagem um tanto quanto estranha para traçar um perfil deste rei de ânimo duplo. Aqueles que conhecem um pouco da Bíblia sabem de sua carreira tresloucada.

O começo de sua história traça duas linhas de pensamento interessantes. A Palavra de Deus o descreve “jovem e tão belo que entre os filhos de Israel não havia outro homem mais belo do que ele; desde os ombros para cima sobressaía em altura a todo o povo” (9.2). Ou seja, sua aparência externa era extremamente importante para ele mesmo, não era algo importante como comentário de um historiador, mas uma dica do que seu coração se alimentava.

Seu raio de ação no entanto passava pelos interesses de seu pai, pois saiu à busca das jumentas dele. Suas posses falavam muito. E quando não as encontram, depois de muito busca, seu companheiro de viagem fala de um ‘vidente’ – Samuel – que poderia lhes informar seu paradeiro. Parece que Saul não tinha conhecimento deste homem, ou se conhecesse seu nome e importância na vida de Israel, não lhe dava o valor necessário. Aliás foi o moço que providenciou algum dinheiro para presentear o profeta.

Samuel então o ungirá rei de Israel ao dia seguinte e anunciará três sinais que analisaremos com mais atenção.

“Quando te apartares hoje de mim, encontrarás dois homens junto ao sepulcro de Raquel, no termo de Benjamim, em Zelza, os quais te dirão: Acharam-se as jumentas que foste buscar, e eis que já o teu pai deixou de pensar nas jumentas, e anda aflito por causa de ti, dizendo: Que farei eu por meu filho?” (10.2).

Raquel foi a mulher amada de Jacó, pai da nação de Israel. Acho que estes dois homens em seu túmulo testificam tanto a morte espiritual de Israel quanto a de Saul. Ambos estavam perdidos, o primeiro que buscava um rei, o segundo que buscava as jumentas de seu pai. Se não fosse a eleição certa de Deus nas vidas de ambos, a morte continuaria rondando e dominando suas vidas. Passemos ao segundo sinal.

“Então dali passarás mais adiante, e chegarás ao carvalho de Tabor; ali te encontrarão três homens, que vão subindo a Deus, a Betel, levando um três cabritos, outro três formas de pão, e o outro um odre de vinho. Eles te saudarão, e te darão dois pães, que receberás das mãos deles” (10.3-4).

Tabor significa ‘altura’, e o encontro com estes três homens fala da visita de Deus, do alto, para mudar a triste situação da sepultura do primeiro sinal. Os três homens iam a Betel – Casa de Deus – lugar propício para tal mudança. Não quero dar a entender jamais que a casa de Deus seja alguma igreja denominacional atual ou antiga. É a presença do próprio Deus, que na época do Antigo Testamento era a habitação que Ele escolheu para se revelar ao seu povo escolhido.

Ele não recebeu dos cabritos, animais que certamente seriam oferecidos ao Senhor no tabernáculo, pois o Senhor já apontava que Saul não teria direito a nenhum contato com o sacerdócio. Seria rei, não sacerdote. Todos sabem que seu maior erro foi exatamente sacrificar na ausência de Samuel (cap. 13).

Recebeu dois dos três pães, anunciando que o Senhor o reviveria do túmulo e mais, através de seu reinado justo e santo, seu povo poderia também ser revivido para a glória de Deus.

Mas o Senhor conhecia seu coração. O vinho não lhe foi dado pois ele não teria comunhão com seu povo – nem com Deus – e também não estaria disposto ao sacrifício pessoal pelo bem maior de seu reinado.

Uma passagem muita clara deste egocentrismo pernicioso em Saul está em suas palavras logo após sua negligência em destruir totalmente os amalequitas.

“Ao que disse Saul: Pequei; honra-me, porém, agora diante dos anciãos do meu povo, e diante de Israel, e volta comigo, para que eu adore ao Senhor teu Deus” 15.30). A sua honra vinha antes da do Senhor.

“Depois chegarás ao outeiro de Deus, onde está a guarnição dos filisteus; ao entrares ali na cidade, encontrarás um grupo de profetas descendo do alto, precedido de saltérios, tambores, flautas e harpas, e eles profetizando. E o Espírito do Senhor se apoderará de ti, e profetizarás com eles, e serás transformado em outro homem” (10.5-6).

Este terceiro sinal é o poder revitalizador, capacitante e imprescindível do trajeto do túmulo de Raquel para as alturas celestiais.

Um pouco da doutrina do Novo Testamento pode trazer mais luz para com o que ocorreu com Saul e com todo aquele que já saiu do túmulo dos seus pecados e foi transformado em novo homem pelo batismo da fé.

“Se, pois, fostes ressuscitados juntamente com Cristo, buscai as coisas que são de cima, onde Cristo está assentado à destra de Deus... pois que já vos despistes do homem velho com os seus feitos, e vos vestistes do novo, que se renova para o pleno conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou” (Cl 3.1,9-10).

Assim como Saul, nós também fomos ressuscitados do túmulo da morte pelo pecado, despidos do velho homem escravizado e vestidos do novo para um aprimoramento e aproximação da imagem divina. Mas a partir daqui, uma ordem fica bem clara – buscai as coisas que são de cima, onde Cristo está assentado à destra de Deus.

A manutenção e o aprimoramento do novo homem depende de nossas escolhas diárias entre o santo e profano, passando por uma vigília incessante, busca constante da vontade de Deus e leitura constante de Sua bendita Palavra.

Saul não entendia nada destas coisas, não se importava com elas, a não ser ele mesmo. A igreja presente em que vivemos denominada pelo Senhor como Laodiceia (Ap 3), em sua lasciva mornidão, também não entende destas coisas e não se importa com elas, a não ser com ela mesma.

Que ela possa mudar seu rumo, sair do túmulo de sua arrogância e começar a buscar as coisas que são do alto, pois o fim se aproxima rapidamente.