Fulano e o remidor ausente - Rt6

Vimos na nota anterior que Boaz se prontificou a resgatar tanto a terra quanto a suscitar descendência à família de Elimeleque, pois se seu nome bem significa ‘Deus é rei’, este rei precisaria de um príncipe. Vimos também que Noemi tinha um remidor ainda mais próximo, que a Escritura resolveu chamá-lo simplesmente de ‘fulano’.

Então perguntamos – Se Boaz que aceitou o encargo da dupla remissão representa nosso remidor Jesus, e ninguém questiona o contrário, quem representaria este fulano?

Sei que vou entrar numa conversa perigosa, mas não posso deixar de seguir a tipologia bíblica. Não podemos ter medo de buscar a verdade.

Vou ser claro e direto – representa Lúcifer quando ainda ministrava nas regiões celestiais.

Na tríade de anjos nomeados e autorizados pela Escritura – Miguel, Gabriel e Lúcifer, coube o exercício triplo ministerial – Governo, Profecia e Sacerdócio respectivamente. Esta mesma ordem tem seu paralelo divino no Pai, Espírito Santo e Filho. Há todo um embasamento doutrinário, com farta demonstração de casos, tipos, símbolos, inúmeras passagens que fortalecem estes paralelos mas que não posso adentrar neste espaço. Vou tocar algumas vezes neste assunto conforme o andamento das notas pelos livros seguintes.

Mas você pode ter um bom início sobre o tema lendo outro livro deste autor – ‘O princípio da substituição dos mordomos desde a esfera celeste’ – exposto livremente em https://issuu.com/ministerioescrito/docs/do_verdadeiro_-_substitui____o

O texto em Rute garante que não havia nenhuma dificuldade para o fulano em comprar a terra, o problema estava em se associar a uma estrangeira.

“Para mim não a poderei redimir, para que não prejudique a minha herança; toma para ti o meu direito de remissão, porque eu não a poderei redimir” (4.6).

Ele só enxergava a terra, a mulher seria um empecilho. Mas o que me parece demonstrar bem o caráter dos dois remidores era a pena ou sinal imposto ao desertor.

“Havia, pois, já de muito tempo este costume em Israel, quanto a remissão e permuta, para confirmar todo o negócio; o homem descalçava o sapato e o dava ao seu próximo; e isto era por testemunho em Israel. Disse, pois, o remidor a Boaz: Toma-a para ti. E descalçou o sapato” (4.7-8).

Há uma bela descrição das armas do cristão na figura guerreira usada por Paulo.

“Portanto, tomai toda a armadura de Deus... Estai, pois, firmes, tendo cingidos os vossos lombos com a verdade, e vestida a couraça da justiça; e calçados os pés na preparação do evangelho da paz... Tomai também o capacete da salvação, e a espada do Espírito, que é a palavra de Deus” (Ef 6.13-17).

O fulano não estava preparado para testemunhar da paz, para garantir graciosamente vida àquela pobre estrangeira. Se fosse uma israelita seria diferente. Seu sapato é removido e entregue a Boaz “porque ao que tem, ser-lhe-á dado; e, ao que não tem, até o que tem lhe será tirado” (Mc 4.25).

Lúcifer, como sacerdote que era, também teve a oportunidade no passado remoto de oferecer seus dons a uma humanidade que ainda cairia. Mas ele não poderia se rebaixar, como o Filho fez, ao ponto de descer à esfera humana para salvar seres que não eram de sua ordem, de sua categoria, de sua glória. Uma conversa no tempo mais distante conclama alguém que tivesse coragem, humildade e amor suficientes para remir uma humanidade que viria a se perder.

“Depois disto ouvi a voz do Senhor, que dizia: A quem enviarei, e quem há de ir por nós? Então disse eu: Eis-me aqui, envia-me a mim. Então disse ele: Vai, e dize a este povo: Ouvis, de fato, e não entendeis, e vedes, em verdade, mas não percebeis” (Is 6.8-9).

A resposta vai muito além do envio de Isaías, mas fala das palavras que o próprio Senhor Jesus pronunciou em seu ministério terreno. Portanto, um dia o Pai perguntou ao seu santo séquito quem se habilitaria a ir no caminho do homem que se perderia bem à frente. Lúcifer calou-se, o Filho bradou.

“E outra vez: Porei nele [em Jesus] a minha confiança. E outra vez: Eis-me aqui a mim, e aos filhos que Deus me deu” (Hb 2.13).

Eu não tenho dúvida alguma de que naquele momento o anjo perdeu muito, espiritualmente falando, e que vai refletir em todo seu ministério, no mesmo sentido do texto que citamos acima de Mc 4.25. A partir daqui começa sua queda espiritual, de abismo em abismo, até que seu coração se eleva ao ponto de cobiçar o próprio trono de Deus e que comentaremos em breve quando analisarmos Absalão, filho dileto de Davi.

Interessante notarmos, quando da tentação de Jesus no deserto por este insistente inimigo, que ele só tem a oferecer terra, glória, honra, mas nada relacionado a salvação, humildade, perdão. Ele não só perdeu seu sapato, primeiro degrau da perdição, mas perdeu todas as suas armas espirituais.

Todo alto privilégio encerra em si mesmo grande responsabilidade, e quando o primeiro é desprezado o segundo é trazido à memória. Um privilégio desprezado é caminho certo para perdermos não só o privilégio, mas todas as coisas que a acompanham. O fulano perdeu o privilégio de possuir uma mulher sem igual, então perdeu também seu direito à terra. Boaz terá tudo, porque se submeteu à vontade de Deus além da lei em si mesma. A lei é dura e sem misericórdia, a graça é leve e transformadora.

Se há dificuldade em aceitar o que falamos acima, não podemos contudo desprezar todo seu conteúdo. A Escritura e o Espírito Santo, aliados à perseverança no estudo, devem ser nosso norte nas questões de difícil interpretação. Virar o rosto não iluminará nossas dúvidas íntimas, nossa perplexidade em questões de cunho eterno e invisível.

E assim como as semente do Fulano e Lúcifer ficaram desconhecidas e perdidas, as de Boaz e Jesus gritarão para sempre. É o que veremos em nossa próxima nota.