Um certo levita e uma certa concubina - Jz7
Comentamos na nota 4 alguma coisa sobre esta concubina e seu triste fim, mas agora vamos dar proeminência ao levita.
Em nenhum momento seus nomes são citados. Eu acredito que suas histórias não tinham nenhuma exclusividade, era algo comum naqueles dias em que cada um fazia o que queria. Somente o desfecho inusitado e cruel dava a entender que a situação estava crítica em todos os sentidos. Seria como nos noticiários de hoje, nada mais nos espanta, quando de repente algo extremo nos indicaria o estado real das coisas, como que para nos acordar da letargia predominante.
A história do levita que sai a peregrinar demonstra o estado do tabernáculo e das coisas do Senhor. Os levitas tinham garantido por ordem divina através de Moisés seu sustento diário no templo, já que eles trabalhavam exclusivamente para o Senhor.
“E separarás os levitas do meio dos filhos de Israel, para que os levitas sejam meus... E os levitas, dados a Arão e a seus filhos, dentre os filhos de Israel, tenho dado para ministrarem o ministério dos filhos de Israel na tenda da congregação e para fazer expiação pelos filhos de Israel, para que não haja praga entre eles, chegando-se os filhos de Israel ao santuário” (Nm 8.14,19).
Os levitas tinham seu ministério elevado de oficiar no templo do Senhor, e seu sustento estava garantido pelos dízimos que se recolhiam do povo. Mas quando ele começa a peregrinar, podemos subentender duas coisas – seu sustento estava em falta no seu trabalho ministerial (pois o povo estava em falta com o Senhor e seu templo, lembre que cada um fazia o que queria!), e a casa sacerdotal não teve força moral e espiritual para mudar o estado das coisas.
Ele se vê então obrigado a peregrinar. E nós sabemos por experiência própria – todas as vezes que saímos da proteção divina, negligenciando a fé, a oração, a leitura constante da Palavra de Deus, acabamos nos prostituindo de alguma forma, tanto no campo sexual quanto nos sociais e espirituais, ou seja, sempre perderemos. O levita ‘achou’ a concubina somente ao sair da companhia do Senhor e seu dever diário, é o que lemos.
“Aconteceu também naqueles dias, em que não havia rei em Israel, que houve um homem levita, que, peregrinando aos lados da montanha de Efraim, tomou para si uma concubina [não uma esposa]” (19.1).
Mas “a sua concubina adulterou contra ele” (19.2). Um relacionamento que não é do Senhor está sempre no perigo de cair pelas intromissões estranhas. Não que em um relacionamento devidamente apropriado não vá surgir problemas, mas o próprio acerto da união tenderá a ser um escudo contra os ataques do inimigo e sempre poderemos contar com a graça de nosso Deus.
A mulher o deixa e vai para a casa de seu pai. Ele vai “atrás dela, para lhe falar conforme ao seu coração, e para tornar a trazê-la” (19.3).
Sempre que nos associamos num relacionamento errôneo, não aprovado por Deus, vamos querer falar ao coração do outro e não ao coração de Deus. Mas ele comete um erro maior – “agora vou à casa do Senhor” (19.18), levando sua concubina. O problema não estava na concubina, ela só era o efeito colateral dele ter deixado a casa do Senhor, o resto são consequências que o Senhor pode até perdoar, mas seus efeitos ficarão marcados para todo sempre.
Continuando sua história, seu servo indica uma cidade não-israelita para pousarem, e o levita dá logo sua sentença que parece ser muito espiritual.
“Não nos retiraremos a nenhuma cidade estranha, que não seja dos filhos de Israel; mas iremos até Gibeá” (19.12).
Mas é nesta cidade bem conhecida dos filhos de Israel que todo desfeche grosseiro acontece. Julgamos muitas vezes que o que se diz santo tenha melhor atitude que aquele que julgamos profano, perdido, sem moral, irreparável.
Gosto de uma frase de um livreto antigo – “O livro da vida” de Walter Graciano – que mostra a experiência vivida do escritor: “Há cristão cuja maldade supera a de qualquer inimigo sem Deus”.
Finalizando, a cidade que ‘era’ do Senhor protagonizou um estupro coletivo da concubina (mas queriam o homem mesmo!), sua morte, seu esquartejamento, e a destruição de uma cidade. Vamos trabalhar um pouco este ponto.
“Assim ajuntaram-se contra esta cidade todos os homens de Israel, unidos como um só homem... Então os filhos de Benjamim saíram de Gibeá, e derrubaram por terra, naquele dia, vinte e dois mil homens de Israel... Porém esforçou-se o povo... e choraram perante o Senhor até à tarde, e perguntaram ao Senhor, dizendo: Tornar-me-ei a chegar à peleja contra os filhos de Benjamim, meu irmão? E disse o Senhor: Subi contra ele... Também os de Benjamim no dia seguinte... derrubaram ainda por terra mais dezoito mil homens...” (20.11-25).
Vou direto ao ponto – somente lágrimas não consternam o Senhor; lágrimas e busca simples do Senhor, mesmo invocando Seu nome, também deixam a desejar; mas lágrimas associadas a arrependimento sincero embebido no sangue do Cordeiro, este sangue fará toda a diferença.
“Então todos os filhos de Israel, e todo o povo, subiram, e vieram a Betel e choraram, e estiveram ali perante o Senhor, e jejuaram aquele dia até à tarde; e ofereceram holocaustos e ofertas pacíficas perante o Senhor” (20.26).
Mas há um alcance mais distante para tudo isto – uma figura. Israel como um todo também deixou o Senhor, prostituindo-se com muitos deuses e muitas nações. As nações e seus deuses não podem melhorar sua situação, não podem trazer perdão nacional. Foram destruídos e envergonhados sequencialmente em seus vários exílios, uniram-se como um só povo e retornaram para sua casa no tempo presente (hoje parcialmente descansados na Palestina), mas ainda não se arrependeram verdadeiramente. Serão novamente dizimados no período tribulacional em breve, e somente quando clamarem ao Senhor nacionalmente, reconhecendo seu verdadeiro Messias sacrificado, terão paz plena em si mesmos e o mal desterrado de sua terra.
Somente um grito nacional poderá mudar a triste trajetória deste povo escolhido.
“Porque eu vos digo que desde agora me não vereis mais, até que digais: Bendito o que vem em nome do Senhor” (Mt 23.39).
Findamos assim estas notas em Juízes e partimos, seguros na piedade de Deus em Cristo, para o livro de Rute, hiato gracioso entre este triste período dos juízes e Samuel.