OUTRA FACE DO MAL

Um dia desses, alguém que não sei – há várias pressuposições – armou-me, nas sombras, uma cilada, visando desestabilizar minha relação com outra pessoa. E o conseguiu, plenamente, talvez por saber onde estava a minha brecha na alma, porque eu reagi exatamente de acordo com o que este ser, que agiu nas sombras, esperava. Com a minha reação institui-se uma Grande Sombra entre a minha alma e a alma daquele outro ser profundamente amado.

Seria simples maldizer este ser que agiu nas sombras, dizer que ele é o mal – logo eu sou o bem, no caso, o bem sacrificado pelo mal. Foi o meu impulso primeiro, o meu impulso natural julgar assim.

No entanto, depois de passados os primeiros dias da dor mais acerba e irremediável, compreendi: Não houvesse na minha alma a tal brecha, por onde a ação daquele ser que agiu nas sombras poderia penetrar?

Por causa dessa brecha na minha alma, onde foi plantada a semente de uma dúvida espúria e terrível, acabei por acusar um ser muito amado por algo de que ele era absolutamente inocente.

Agora, diante do estrago incomensurável, só me resta ficar à espera de um perdão que não sei se algum dia virá.

Escrevo estas coisas apenas para me refletir no espelho onde poderia projetar a imagem do rosto do bem, um rosto do bem duramente atingido pelo mal. Não posso ver-me assim, nem projetar sobre o outro a face do mal.

A vida vai muito além dos rótulos. Antes de crucificarmos ao outro, melhor seja crucificarmos a nós mesmos ou então instituirmos um Jardim do Perdão, no qual estejamos todos com a Face da Inocência original.

Zuleika dos Reis

Na tarde de 23 de março de 2010.