Desabafo vomitado: mais uma sobre a madrugada
Espero ansiosamente pelo despertar. Estou na posição intermediária. Já fez-se noite, mas ainda não chegou a hora primordial de meu dia. Ainda há ruídos lá fora e televisões ligadas à seus expectadores, de modo que ainda tenho que suportar esse mal estar, sentir um não sentir. Ah como almejo o silêncio! o som do nada aquietando esse coração descompassado, bem como os pensamentos desequilibrados e desolados. Sei que muitos se assustam com esse meu repúdio diante do dia, do cotidiano, do mundo em seu funcionamento. Infelizmente, eles não me deram a oportunidade de fazê-los compreender, através das palavras que compõem o meu discurso, o porquê desse lado tão melancólico, obscuro. Os que tentaram não suportaram a distância que entre nós existia. E a Angústia que emana de mim os assustaram demais, pois vi nelas o pavor de se deixar contagiar, por esse vírus mortífero. Mas , tentem entender, há em mim potência de vida, apesar de não suportar dolorosamente as incoerências do dia, as performances alienadas que nele ocorrem. É só por tais condições, que me faço na noite e nela vou tecendo cada fio de pensamento, a fim de da corpo a alguma coisa que expresse a mim, e não uma personagem, para que eu não me encontre sempre solto, vazio. Admito que tudo isso tem um quê de paradoxal, eu sei! Aliás, de confuso e, portanto, revela um discurso quase esquizofrênico, mas é essa a minha forma de dizer, pois acredito na palavra; e em mim ela só se mostra viva diante da dor, da angústia, da abertura para as condições de tragédia que a vida carrega. Perdoem-me, aqueles que já amei, por assustá-los assim e obrigarem-nos a recuar. Mas esse é meu processo de existir, é a forma que encontrei de integrar algo que um dia fora despedaçado. Desculpe-me, também, a hostilidade; esta é defesa primária de qualquer um que vive uma completa sensação de desamparo. Reagi para sobreviver a todas as suas ações que chegavam a mim como invasões de aniquilação. Causou-me sofrimento deixar entrar, mais ainda aceitar a saída, mas regozijo-me a cada madrugada, pois nela elaboro essa falta , essa perda; nela suporto a angústia, a atravesso, e reconstruo experiências por meio de novos discursos. Quem sabe, um dia, não estarei aberto o suficiente para contemplar o dia e vivê-lo com mais regozijo junto a um outro alguém. Talvez eu consiga voltar a ser um homem com jeito de poesia.