“PENITÊNCIA DE UM PAI”

Meus filhos, falo com vocês, enquanto dormem aí, com as mãos sob o rostos e os cabelos colados nas testas suadas, entrei de mansinho e sozinho no quarto de vocês para me explicar: ainda agora, na sala, assistindo televisão, fui tomado por um profundo remorso e arrependido vim aqui, eu fiquei pensando, meus filhos, como fui implicante e impaciente com vocês, como eu gritei por vocês não saberem as lições, os deveres de casa, como reclamei por vocês deixarem suas coisas espalhadas pelo chão, de manhã, logo cedo, eu gritei para vocês irem escovar os dentes, alertei-os para não deixarem de ir a escola, para não esquecerem os cadernos e os livros, não deixarem de fazer os deveres, quando eu saí para trabalhar vocês me beijaram como que aliviados, como se tivessem se livrado de mim.

 Á noite tudo recomeçou, repreendi-os por ainda não terem tomado os seus banhos, falei-lhes asperamente que vocês devoravam em vez de comerem, que comiam com as bocas abertas e que não mastigavam:
“Peçam licença para sair da mesa e vamos logo escovar os dentes”, disse eu. Lembram-se mais tarde, quando vocês entraram na sala timidamente, com um brilho de mágoa nos olhos e com medo de me fazerem um pedido?
- “O que vocês querem?” – rosnei.
Vocês me disseram apenas que queriam brincar com os seus brinquedos, e eu lhes disse que não, pois vocês quebram tudo, que custam caro, e que eu estava cansado demais para ir pega-los, e vocês me disseram apenas:
- Nós não vamos quebrar não, pai”, e foram dormir.
Bem crianças, foi logo depois disto que eu desliguei a televisão e vendo-os dormindo, meu espírito foi tomado por uma profunda angústia, por um profundo remorso e uma preocupação terrível se apossou de mim:
- “Que será de mim, se escravizo-me nesse hábito de viver reclamando, de estar sempre repreendendo? Será que esta é a única recompensa que lhes dou por vocês serem crianças sadias e normais? Será que eu estou esquecendo que um dia também fui criança e que também tinha estas manias? Será que eu nunca quebrei um brinquedo na minha infância?
Não, não é verdade, eu os quebrei e muito, eu também não gostava de ir a escola, eu também não fazia os deveres de casa, eu também não pedia licença para sair da mesa, eu também esquecia de escovar os dentes. Hoje me surpreendo, repreendendo vocês pelos mesmos defeitos que tive, que vergonha! Isto não quer dizer que eu não os ame, pelo contrário, eu os amo muito, eu sou assim porque tive esta criação, educação por imposição, sem paciência, sem orientação, sem explicação dos reais motivos, isto é, educação sem educação e por isto me tornei exigente demais, é um defeito que tenho que reparar, eu estou medindo a infantilidade de vocês pelo gabarito da minha idade e isto não está certo.
As minhas reprimendas e a minha negligência não me deixavam ver o grande amor que “DEUS” fez florescer em seus coraçõezinhos e olhem que há tantas coisas boas e surpreendentes na inteligência de vocês que eu não via, a prova está nos impulsos espontâneos de me abraçar e me beijar, na ânsia de me mostrar alguma coisa nova que vocês fizeram, na vontade que eu participe das suas brincadeiras ou na vontade de querer sair comigo, jogar bola e outra coisas mais.
Agora estou aqui, no quarto de vocês, de joelhos e envergonhado, pedindo-lhes perdão, por favor, me perdoem, é uma pequena penitência, sei que vocês não me compreenderiam, nem que eu falasse durante uma semana seguida, mas tenham certeza de que doravante eu serei um pai de verdade, paciente, um verdadeiro amigo, sofrerei quando vocês sofrerem, rirei quando vocês rirem, morderei minha língua quando brotarem, em mim, palavras grossas, ameaçadoras, direi repetidas vezes: - “Eles são apenas crianças normais”.
Tenho medo de tê-los tratados como adultos, de ter tolhido a infantilidade de vocês, de ter lhes dado muita responsabilidade, entretanto vendo-os agora, encolhidos e cansados na cama, convenço-me de que vocês ainda são crianças, ainda ontem vocês dormiam no colo da sua mãe e choravam para mamar. Perdoem-me por ter pedido demais a vocês, por ter exigido demais de vocês, não os quero diferentes das outras crianças da idade de vocês, e eu quase estava transformando-os em robôs, em válvulas de escape dos meus problemas, dos meus complexos, dos meus traumas, eu estava querendo demais de vocês, querendo demais...
Perdoem-me, SEU PAI.