ABRAÇO DE LUZ E SOMBRAS

Os tempos de menino arquejam como uma estrela de costas, fatigada. Nem mais vemos o rosto do que fugiu: trajetórias, sulcos e sendas. Permanecem, à sombra, luas, ruas nuas, amadas e poemas. O Pastor de todas as almas tem sido bom pra conosco. Temos vivido nosso tempo com a simplicidade dos que sabem que morrerão. É esta consciência que nos permite e nos obriga a cuidar do imaterial. Tudo com a galhardia dos personagens passageiros, porque a mensuração do viver é um lampejo de lâmpada frente à eternidade. Sabemo-nos matéria a partir do pó sideral, imersos nos leitos etéreos por onde corre a vitalidade universal. O brilho das mensagens que propomos não é nosso. É o circunstancial de estar vivo que também nos permite que o tempo faça a sua fundição. É o experimental em nós, sua precária obra. Na plenitude periférica dos setenta anos – a idade da sabedoria do possível – atravessas a tua contagem cármica com paciência e esperança, fazendo o bem e espargindo os conhecimentos hauridos de sóis e chuvas. Que neste dia de contagem do tempo visto, vivido, lido e ouvido, a caminhada se faça com algumas paradas para a tua reflexão. O pedido é que o mote de viver seja, como sempre, o amor aos teus e aos que te querem bem. Ficarei por aqui, soando a campainha da fraternidade, orando para que te faças sempre presente em minha cuca, e que te possa ver, por vezes, com este jeitão platônico de quem espairece e espreguiça a mirada do futuro. O abraço é de luz e sombras, como quem foge da esquina pra não ser apanhado pelo vento forte, ao esparramar os cabelos. Aliás, eu ainda os tenho, mas parece que os teus fugiram pelas madrugadas, entre os amores e a Bíblia. Que não esqueças os sonhos: a vida fica sem graça.

– Do livro CONFESSIONÁRIO – Diálogos entre Prosa e Poesia. Porto Alegre: Alcance, 2008, p. 89.

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