Meu querido irmão, espero que esta carta chegue a suas mãos exatamente no dia do seu aniversário, ou, poucos dias antes. Lembro-me hoje de outros anos neste dia. Você começava a perguntar quando aproximava a data se faríamos um bolo. Você fazia questão de celebrar, ainda que de maneira simples, mas não queria que este dia  passasse em branco. Eu e mamãe nos esforçávamos ao máximo pra não lhe frustrar.
 
Lembro-me que mamãe ia conversar com seu Antonio da padaria, pra que lhe fizesse fiado os ovos, a farinha, a velinha e no final o bom português sempre cedia, pois, sabia que mamãe assim que tivesse condições iria paga-lo. Você sabe meu irmão, que mamãe sempre foi um exemplo de mulher honesta e talvez por isso ela tenha se demorado tanto pra assimilar a sua prisão. Ela não se conformava nos primeiros meses e vivia perguntando onde ela havia errado no modo de lhe educar.
 
Eu respondia de maneira honesta e dizia que em nada ela havia errado, afinal testemunhei a forma como você fora preparado pra vida. Nestas horas eu sentia que minhas palavras não faziam diminuir sua tristeza, mas levavam algum conforto a sua alma. Dava-me a impressão de que com isso eu diminuía o tamanho da culpa que ela carregava desde o dia em que aqueles investigadores vieram a sua procura. Quando chamando os homens de loucos, os colocava do portão pra fora dizendo que era tudo um tremendo engano e completando que jamais um filho seu roubaria uma agulha de ninguém.
 
Nesta hora um dos investigadores riu, justamente, o mais jovem, que inexperiente não compreendia a dor que uma mãe sente nesta hora. Já o outro homem da polícia com cabelos ralos e grisalhos permaneceu sério e com expressão triste. Os anos ensinaram-no a como se comportar nestas horas.
 
Não tardou pra que as desconfianças dos profissionais da policia se confirmassem. Quando você chegou em casa e reconheceu nos homens características de gente da lei, tentou fugir, correu. Pior, acabou algemado no meio da rua, ante os olhares curiosos dos vizinhos e das lágrimas minhas e de mamãe.
 
Quando o vimos ser colocado na parte traseira da viatura sentimos o chão nos faltar... Queríamos ouvir algum som que nos acordasse daquele pesadelo. Veio o som. O barulho do motor da viatura sendo acelerada e na arrancada que deu, você ainda olhou em nossa direção como quem quisesse implorar perdão por toda a dor que nos causava.
 
Foram dias bastante difíceis os que se seguiram. Ao mesmo tempo em que sentíamos dor, eu e mamãe alternávamos momentos de raiva a seu respeito. Mas a raiva era tão passageira quanto às nuvens num céu de agosto. Logo cedia lugar de novo a saudade e a grande vontade de ter você em casa.
 
Mas meu irmão cadê a coragem de ir ao presídio pra lhe fazer uma visita. Nem eu e nem mamãe nos sentíamos preparadas, ao invés da visita lhe causar algum bem, com certeza provocaria todos os males. É possível até que o agrediríamos com palavras chulas.
 
Mas Deu é perfeito e foi melhor assim. Embora não houvesse nada sido combinado, eu e mamãe resolvemos que o visitaríamos no final de semana depois do seu aniversário que cairá terça-feira. Só ficamos sabendo sobre o que uma e a outra pensava, quando voltei do trabalho com latas de leite condensado e encontrei mamãe com sacos de mercado cheios de farinha, ovos, leite. Olhamos uma pra outra e rimos. E foi mamãe quem falou: “ele nunca suportou passar um aniversário sem ao menos um bolinho”.
 
Portanto, meu querido irmão, torço pra que esta carta chegue a tempo a suas mãos. Para felicitá-lo no dia correto e prepará-lo pra que nos espere no fim de semana. Quando digo pra que se prepare, não estou pedindo-lhe nada de especial. Quero apenas que você prometa pra mamãe com toda a convicção do mundo, que no aniversário do ano que vem você estará em casa. Longe da cadeia, mas principalmente longe das idéias malucas que o conduziram ao cárcere, e se sentir que depois de tudo falta-lhe o crédito, faça como fazia quando era um menino: “mãezinha eu juro, juro por Deus”.
Até domingo meu irmão, mas desde já eu lhe desejo feliz aniversário!
Paulinho Boa Pessoa
Enviado por Paulinho Boa Pessoa em 30/12/2008
Reeditado em 30/12/2008
Código do texto: T1358927