VOLTA POR CIMA

Ando cega.

A escuridão é minha companheira,

De tal maneira,

Que me enrosco

Na coberta da dor,

Desperdiço à noite com lamentos,

Solto soluços roucos junto à janela,

Rasgo com os dentes os segredos

Deixados nas minhas entranhas.

Para teu deleite, sofro.

Choro as perdas

Que o tempo roubou

Das manhãs ensolaradas.

Cato estrelas, urro,

Me visto de cinzas,

Corto os cabelos,

Os pulsos,

A esperança.

Sou traça em trapos

Com tua ausência,

Sou farsa.

Tanta desgraça

E minha vida

No fio da navalha.

Amei teu colo quente,

Teu olhar ausente,

Tua barba de dois dias.

Foste mel, agora és fel.

Mutilada, vigio as cicatrizes

Estampadas no meu ser.

Já não desejo viver.

Tua sombra retorce trêmula

Na parede caiada.

É hora de partir,

Experimentar a paz do sepulcro.

Teu fantasma, que assombra

As noites insones,

Já não me amedronta.

Consternada,

Solto versos doridos de amor.

Expulso meus demônios,

Lavo minhas feridas.

Um olhar relâmpago

Deflora tuas lembranças.

Na hora do teu voltar

Estarei refeita,

Riso frouxo na boca,

Olhar dissimulado

De novo encantada.

Zombarei dos teus descuidos.

Porque amor que dói é finito.

Dueto com Fátima Cerqueira