Olhos nos Olhos
Olhos no espelho. Acostumara-se a contemplar o próprio reflexo com pesar. Não raro, ficava com pena da própria imagem. O pensamento viajava para longe, revisitando um passado repleto de erros e trazendo o amargo sabor do arrependimento. Os olhos vertiam inevitáveis lágrimas de uma vida fria e sem razão. Quando as lágrimas secaram, caiu em si. Precisava tomar alguma atitude, livrar-se de toda aquela angústia, antes que fosse tarde demais. Naquele breve instante de perseverança e lucidez, uma voz ecoou em sua mente, como se alguém lhe aconselhasse:
“Coragem! Quebra esse espelho!
Deseje que o poder do amor o ajude a amar.
Saiba que sua imagem pode inverter
e sua vida pode melhorar”.
Apagou a luz. No chão, cacos do espelho e dos pensamentos pessimistas que decidira estilhaçar. Estava no escuro, só, mas por pouco tempo. Mais do que isso, estava livre de toda a negatividade que não lhe permitia agir, sair da zona de conforto. Não mais perderia tempo lamentando-se pela imagem que o espelho lhe apresentava; a partir de então, seu olhar estava preparado para contemplar as mais belas paisagens e surpresas que a vida porventura trouxesse. E foi assim que livrou-se dos cacos e, em vez de limitar sua atenção ao próprio reflexo, passou a enxergar o belo em tudo que o circundava. Trocou o espelho pelas janelas. Incorporou pouco a pouco toda aquela beleza, desabrochou.
E a escuridão finalmente fora rompida por uma luz tímida, mas capaz de alegrar os seus dias, agora que sabia a importância das pequenas coisas. A luz de um vaga-lume perdido, talvez, mas que providencialmente cruzara seu caminho, e que sabia que se fazia necessário, exatamente ali, naquele ambiente escuro. Um vaga-lume que não tinha asas, mas que esbanjava luz própria através do seu olhar sonhador. Olhos no espelho? Não mais! Dali em diante, seria sempre olhos nos olhos, como é de se esperar de um verdadeiro amor.
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