BLIND DATE
"BLIND DATE
E quando as pessoas já não acreditavam em coincidências, em destino ou no que quer que as façam se encontrar neste mundo, mas acostumaram-se avidamente com a rapidez do consumo fácil, inventaram o Blind Date.
Com a origem denunciada pelo nome, é apropriadamente mantido sem tradução para não despertar os desatenciosos para o inusitado da situação. Um “encontro às cegas” ou “encontro às escuras” seria uma definição aproximada, embora um encontro às escuras, nos meus tempos, significasse algo bem mais excitante.
Mas lá vão eles, desconhecidos um para o outro, em direção ao ansiado encontro. O que buscavam os dois? Nem eles tinham plena certeza. Queriam encontrar alguém realmente especial, forçar as alavancas do destino, embora ninguém lhes tenha dito que o destino não aceita ser forçado. Encontravam-se cegos e às escuras. E como cegos, tateavam o desconhecido futuro diante de si.
Eles olharam-se e mediram-se de alto a baixo. Dizer-ia-se que eram dois executivos, encontrando-se para assinar um futuro contrato. Uma possibilidade de juntar as empresas. Qual o seu patrimônio líquido? Expectativas futuras? Problemas estruturais? Projetos não completados no passado? Porquê?
Um poeta acertadamente balançaria a cabeça com desgosto e, andando pela rua deserta, pensaria no que viu, ou no que deixou de ver: na falta de olhares sorrateiros que fazem o começo de todo romance, da não-aproximação inconsciente de corpos que se buscam, da falta do sorriso cheio de expectativas que deixaria ao outro noites sem dormir. E, seguindo o seu caminho, sentiria uma angústia indefinida por estes tempos de não-poesia, refletido no encontro de dois seres quase patéticos.
Ele queria viver um grande amor. Ela queria viver um grande amor. E, por um breve momento, olharam-se de soslaio e pareciam o ter encontrado. As empresas combinavam, se antevia lucros. As estruturas estavam bem assentadas. Os patrimônios líquido e pessoal encaixavam-se. Esqueceram, porém, de primeiramente conversar com o coração, diretor de Recursos Humanos de todas as relações. Este, era desconfiado por natureza e naquele momento, um senhor taciturno. Não gostava de transação sem lastro de sentimentos.
Na pressa, eles esqueceram de perguntar-se porquê estavam ali. Queriam apenas que desse certo, queriam que aquele fosse o seu grande amor.
No entanto, esqueceram de olhar o céu e soltar um suspiro, porque a presença do outro poderia fazer o céu de cada dia e até o vôo do mais comum dos pássaros parecer mais belo.
Esqueceram de olhar no fundo dos olhos e sentir um frêmito de paixão percorrer o corpo. Esqueceram de ser ingênuos como crianças e rirem de suas próprias bobagens, porque é permitido ser inocente quando se gosta de alguém.
Mirando a si mesmos como uma concreta e racional possibilidade futura ou, quem sabe, antevendo algumas possíveis noites de prazer, esqueceram de viver o presente.
E, nesta época de paixões fugazes, nem sequer chegaram a perceber que o amor é como uma flor rara e delicada, que necessita de tempo e pequeninos cuidados para brotar.
Ela falou-lhe da profissão, de independência, de conhecimentos adquiridos. E abriu a boca em dentes, para mostrar que era alegre. Mas esqueceu de olhar com timidez para o solo quando ele a observava em desejo guloso. Esqueceu de morder levemente os lábios úmidos e entreabertos, que desde o início dos tempos não requeriam palavras. Esqueceu de seduzir e deixar-se conquistar. Infantil, ela esqueceu de ser mulher.
Ele falou-lhe de trabalho, viagens e amizades bem relacionadas. E posicionou-se como tudo que as mulheres poderiam querer, um Oscar a ser maravilhosamente conquistado, and the winner is…. Esqueceu de olhá-la nos olhos com ternura, tocar-lhe a mão gentilmente, e assim, como quem nada quer, conquistá-la certamente, ganhando-lhe o primeiro dos muitos beijos de uma profunda e sensual intimidade ainda a ser construída. Esqueceu de dizer o quanto era bonita e o quanto gostou do seu sorriso. Esqueceu de pegar-lhe na cintura com decisão, como se enlaça a mulher que deseja para si. Inseguro, ele esqueceu de ser homem.
Encontraram-se às escuras e saíram às cegas. Restou do que seria um grande amor apenas o que não foi, e algo a mais para conversar com seus respectivos terapeutas, com os quais gastavam tempo e dinheiro inúteis. Sentindo-se incompletos, possuíam em comum a mesma pergunta: “Porque nunca encontro à pessoa certa?”"