Sonhar: Um Prazer Gratuito dos Mortais

Depois de um dia deveras exaustivo, troco de roupa e caminho até a cama, com o peso do mundo nas costas. Levanto o edredom, ajeito o travesseiro e finalmente me deito, entregando-me por completo ao conforto do colchão. É um prazer inenarrável poder render-se à cama após um longo dia de muitos desgastes. Fecho os olhos, sinto-me leve; a partir daí, tem início uma viagem imprevisível para um mundo de infinitas possibilidades.

Há quem acredite que os sonhos são muito mais que meras fantasias criadas por nossa mente durante o repouso. Segundo os que assim pensam, talvez tudo o que sonhamos esteja realmente acontecendo em outro plano, constituindo uma realidade paralela, uma outra vida que se encaminha naquele momento em local diverso. Da mesma forma, talvez o que vivemos aqui e agora seja apenas um sonho, no qual a morte representaria o despertar. Talvez. Verdade ou não, trata-se de um universo fascinante, que detém minha admiração desde cedo.

Sonhar é uma das maiores dádivas das quais podemos dispor no desenrolar da nossa mortalidade. Conhecemos pessoas e lugares que talvez sequer existam, realizamos fantasias inconfessáveis e distantes das nossas reais possibilidades, somos o que nossa imaginação nos permitir. Assim, adormecer significa entregar-se ao inusitado, mergulhar de corpo e alma em um novo mistério que se encerra com o despertar.

Trata-se, todavia, de uma viagem arriscada, como tudo que é capaz de nos proporcionar prazer nesta vida. Podemos ficar temporariamente presos em cenas que dariam perfeitos roteiros de filmes de terror: os pesadelos. Vivenciamos, ainda que em um curto espaço de tempo, situações de extrema aflição, ficando cara a cara com alguns dos nossos maiores medos. É certo, porém, que sempre há alguém em especial que, desde que nos visite enquanto dormimos, transforma qualquer pesadelo em um sonho inesquecível.

Assim, quando finalmente adormeci naquele momento, sonhei que procurava nas margens barrentas de um rio furioso algumas pedras mais brilhantes, daquelas que não passam despercebidas aos olhares mais atentos. E passei dias e dias procurando, em um sonho que se repete por diversas noites e parece não ter fim. Ainda estou à procura, sempre me deparando com algumas pelo caminho. Umas são cacos de vidro ou quaisquer outros materiais que brilham timidamente e não têm valor significativo, ilusões temporárias; há outras que são mais brilhantes, sem dúvidas, mas que ainda não me cativaram a ponto de desejar lapidá-las e carregá-las comigo.

Chegará o dia, enfim, em que já cansado da procura encontrarei, em mais um destes sonhos, uma pedra diferente, joia lapidada por si só e de valor humanamente inestimável. Minhas lágrimas molharão a areia daquilo que outrora fora o rio, já seco a essa altura da vida. Guardarei aquela pequena pedra em um dos bolsos e desaparecerei no horizonte, com uma alegria incomparável.

E quando finalmente os passarinhos cantarem lá fora, anunciando a chegada de um novo dia, despertarei e abrirei os olhos, percebendo que o sonho chegou ao fim. Esbanjarei, então, um sorriso do tamanho de tal sonho, ao me certificar de que ele, na verdade, não acabou: minha joia preciosa, encontrada depois de anos em meio a todo aquele barro, estará dormindo despretensiosamente ao meu lado.

Porque muitos sonhos podem, sim, tornar-se realidade. Portanto, feche os olhos e se permita sonhar cada vez mais!

Publicado originalmente no blog pessoal "Devaneios na Ponta do Lápis": http://devaneiosnapontadolapis.blogspot.com.br/