A RECEITA DO PURÊ DE MANDIOQUINHA
Um belo dia eu peguei uma mochila, coloquei-a nas costas e resolvi sair por aí, por esse mundão afora.
É, eu sabia, sabia bem o que tinha para dizer, e diria a quem quisesse ouvir. Seria só deixar que eu entrasse em sua casa e cear comigo.
Minha mensagem não era nova.
Absolutamente, minha mensagem não tinha nada de novo.
Já era uma mensagem muito antiga, já há muito tempo revelada.
Contudo, as pessoas haviam se esquecido da simplicidade e da eficácia dessa mensagem.
E que na vida, para sermos felizes, não precisava de muitas coisas além da singeleza.
Vi pessoas, amigas minhas de longa data, que se debatiam em busca de um ideal, em busca de vencer na vida.
Eu sei que se perguntasse a elas o que era esse ideal, o que era esse vencer, elas não saberiam explicar, por isso ficava quieto e deixava que cada um vivesse sua vida, sem minha intromissão.
As pessoas queriam mais, mais, mais...
Pensei comigo que esse “mais” não representava de forma alguma ser mais feliz.
Representava apenas um acúmulo de coisas inúteis e aparências diante de uma sociedade bastante enferma.
Esse “mais” também poderia estar travestido de uma felicidade utópica, romântica e inexistente que as pessoas sem querer acabam tomando para si como verdades inquestionáveis, e se esquecem do caráter ilusório de uma vida romântica.
Bati em várias portas quando tive fome, é, bati em várias portas.
Mas ninguém abria sua casa para me receber.
Continuei a andar até ficar cansado e sentar na beira de uma calçada, nessas metrópoles de gente sem rosto.
Uma mulher me viu e veio conversar.
Logo nos identificamos, e ela, vendo que eu estava com fome, chamou-me para almoçar em sua casa. Respondi que sim, mas somente iria se ela me deixasse preparar o almoço.
Ela aceitou.
Então fui até a casa da mulher.
A casa não era um palácio nem uma choupana, era uma casa de gente remediada.
Tudo muito bem arrumadinho, tudo muito limpo, bonito e cheiroso.
A mulher percebeu que eu era uma pessoa de bem e do bem, e me deixou à vontade na sua cozinha para que eu fizesse o almoço.
E eu então comecei a prepará-lo.
O marido dela estranhou.
- Quem é esse cara na cozinha?
- É um amigo que conheci na rua. Ele vai fazer o almoço para nós.
- Você conhece alguém na rua e traz aqui para fazer nosso almoço? Está louca?
- Confie em mim.
O marido, meio ressabiado, resolveu confiar na esposa.
Então, após uma hora e meia de cozinha, o almoço ficou pronto.
Eu havia feito arroz, feijão, carne picadinha com cenoura e vagem, salada de brócolis e couve-flor e ainda um delicioso purê de mandioquinha enfeitado com pedacinhos bem verdinhos de cebolinha.
Modéstia à parte, o meu “caseirinho” estava muito bom e impressionou o marido.
- Quem é você? Perguntou ele.
- Sou apenas um errante. Alguém que passa pela vida, que vê a vida passar.
- O que você faz? Perguntou ele tentando puxar assunto.
- Eu saio por aí a espalhar a mensagem, a antiga mensagem já dita por muitas e muitas vezes.
- E qual é a sua mensagem?
- Amem uns aos outros, incondicionalmente.
- Deixem as coisas pequenas como discussões, irritações, comportamentos raivosos e egoístas de lado.
- A vida que tens hoje, em breve, muito breve, será reduzida a pó.
- Ame incondicionalmente e não terá mais problemas.
- Há pouco você era uma criança, hoje já está com mais de quarenta anos; falta pouco, muito pouco para você deixar esta vida, portanto, não a desperdice.
-Ame sem olhar a quem.
- Passe-me um pouco mais de purê de mandioquinha.
Pediu-me o marido.
E comemos daí para frente calados, até terminar o almoço.
Lavei a louça para a mulher e também sequei enquanto ela e o marido conversavam.
- Já estou indo, disse aos dois.
- Quando você volta?
- Afinal, você não me passou a receita do purê de mandioquinha. Perguntou a mulher.
- Eu estarei sempre com vocês, sempre.
- Amem-se de verdade e eu estarei aqui na sua sala olhando para vocês e almoçando com vocês.
Fui embora com a sensação de missão cumprida, afinal viajei muitos e muitos quilômetros somente por causa daquele casal, principalmente por conta daquela mulher que era muito especial, mas que sofria por demais.
Espero que ela entenda que a vida é tão simples quanto um purê de mandioquinha e que, mesmo sem a receita nas mãos, é possível fazê-la dar certo.