EU, ALGOZ- CÚMPLICE- VÍTIMA, EXORTO

Eu, com muita certeza, tua principal algoz-cúmplice-vítima neste mundo em, de novo, momento agônico das nossas vidas, venho exortar-te, venho exortar-me: Façamos a autocrítica plena que nunca fizemos, eu nem tu, a contento. Não elejamos mais, a Outros, aos Fados, à Poesia, Escudos-Álibi para as nossas fraquezas, as nossas covardias, os nossos pavores, as omissões dos nossos silêncios, as nossas acusações tanto a esmo e para tantos lados.

Já não podemos cuidar das feridas no corpo do Irremediável; podemos, no entanto, cuidar com mais desvelo, do presente que nos coube e que nos cabe, tão distante do que sonhamos, por minha e por tua responsabilidade; não nos desviemos do que vemos em cada um dos rostos, no teu e no meu espelho, nossa única chance de redenção no aqui-agora deste mundo.

Jamais me envergonhei, jamais haverei de me envergonhar do meu amor por ti, agora menos do que nunca que, como eu mesma já escrevi e declamei "Amor é o que sobrevive ao rosto exato do amado". Certamente, o mesmo poderias escrever-me e declamar-me a mim. Como dizia, não me envergonho do meu amor nem me envergonho de ti; envergonho-me do teus e dos meus erros, dos teus e dos meus enganos, dos teus e dos meus atos, tantas vezes tão cegos. Nisto, talvez eu tenha avançado um pouco mais do que tu. Se o quiseres, se te propuseres ao mesmo, é certo que também o haverás de conseguir.Não te esqueças, não nos esqueçamos: ainda que a vida sonhada se tenha perdido, para sempre, em algum espaço ignoto no Reino do Irremediável, neste aqui e agora feito quase só de Desencantos, nos restam os Outros, os que vieram conosco desde o passado até os que nos chegam no presente, virgens e puros de nós.

Por eles todos, para não ampliarmos ainda mais os males, curvemo-nos agora, tu diante de ti mesmo, eu diante de mim mesma, para verdadeiramente nos enxergarmos sem autoilusões, autoescudos, autoamarras. É certo que haja tempo ainda para salvar o possível em tua vida e o possível em minha vida.

Assim é a minha exortação a nós; a ti, Amigo da minha alma, e a mim, exortação nascida de todo o amor que me cabe, que sempre me coube, que sempre me caberá, creias tu, efetivamente, nisto que te digo mais uma vez, como sempre to disse ao longo de toda a nossa vida ou duvides disto, como sempre duvidaste. Esta minha exortação: o mais grave testemunho de todos os nossos tempos do meu sempre amor por ti.

Zuleika dos Reis, na manhã de 5 de junho de 2010.