O relato a seguir aconteceu no dia 24/12/2009 na estação de trem de Barueri - SP.
Subi as escadas da estação por volta das 14hs do dia 24/12/2009. A plataforma estava vazia, o que me dava a infeliz certeza de que há pouco havia passado um trem e que eu teria longos minutos pela frente até que outro aparecesse. Após uns dez minutos que eu estava ali observando a tudo e a todos de maneira discreta é claro - tenho esta mania de observar o comportamento das pessoas e das coisas. Acho que é em função de muitos laboratórios que eu fazia no tempo do Teatro, para a caracterização das minhas personagens. Também porque assim estou sempre aprendendo alguma coisa e deste aprendizado acabam surgindo histórias. Bom... Passado o tempo descrito acima, vi que subia pela mesma escada por ande passei, um jovem com uma caixa grande nos ombros. Ele era moreno claro, altura média, tinha olhos verdes, uma costeleta fina que encontrava com sua barba rala e o seu bigode bem aparado. Esta característica, junto a sua semi-calvície, lhe conferia uma aparência de mais de trinta, mas seu sorriso e expressões me diziam que ele estava ainda na casa dos vinte - talvez uns 25 ou 26.
O jovem rapaz estava irado! Xingava a sua esposa e filha que vinham logo atrás cabisbaixas e envergonhadas pelo vexame que passavam. Ele tinha voz forte e turbinada de nervosismo, seus berros pareciam trovões. Ele dizia: - suas filhas da P@#&! Eu aqui me F@#&n@o com esse C#%@lh& desta caixa pesada nas costas e vocês aí chupando sorvetinho. E por aí iam seus palavrões e xingos cada vez mais brutos. Seus olhos faiscavam. Dava a impressão de que a qualquer momento ele iria esbofeteá-las na frente de todos. Sua esposa e sua filha se afastaram um pouco e ele berrava ainda mais. Pelo que eu entendi, elas o deixaram esperando na catraca da estação segurando a caixa e foram comprar um sorvete. Acho que foi isso. Com aquele peso, aquele calor terrível o cara perdeu o controle.
Dado momento, ele fez uma pequena pausa e virou de costas para as duas. Sua esposa sabiamente, chegou rápida e lhe abraçou por trás deitando sua cabeça sobre seu ombro. Ele continuou berrando enquanto ela ia fazendo um cafuné nos seus poucos cabelos, foi dando beijinhos no pescoço da fera, foi indo, foi indo até que ele não ofereceu mais reação: calou-se. Acalmou. O trem chegou e todos entraram. Sentei bem no fundo e eles mais ou menos no fundo. Continuei observando os três até que finalmente pode vê-lo sorrindo, brincando com sua filha, fazendo um carinho na sua esposa. Chegou minha estação. Quando desci, ele estava abraçado com a sua companheira e tomando o sorvete que lhe refrescava a garganta e lhe amenizava a sede.
Achei legal. Para mim uma linda lição. Aquela mulher foi sábia. Sua atitude de se calar e esperar o momento certo de agir lhe assegurou a conquista da paz. Todo dia nós temos pela frente a oportunidade que aquela mulher teve. Cabe a cada um decidir: vencer sem lutar ou perder lutando. Sejam todos felizes.