o pintor e a moça

Quando ele viu Beatriz pela primeira vez ficou maravilhado. Nunca havia visto em toda sua vida mulher que fosse tão linda. Era alta de um tamanho que não deixava nenhum homem mais baixo, mas o fazia sempre olhar para linha do horizonte. Seus cabelos encontraram uma cor única entre o mel e o dourado que só poderia ser explicada pelos raios do sol que tanto podiam dar as nuances finais nas manhãs ou nas tardes.

Ela era linda. Seus olhos iluminados eram focos de luz pra qualquer novo caminho. Linda, pois, quando seus olhos estavam fechados, mais pareceriam armadilhas prontas para emaranhar a presa.

Ele nunca havia visto uma mulher assim. Dava passos sob medida que quando vista de trás parecia sempre querer esconder uma das pernas. Ela possuía decisão nos passos, parecia não ter dúvida sobre que caminho seguir. Parecia não precisar de informações pois, para onde rumasse, estaria no caminho certo, onde sempre seria recebida com festa por qualquer anfitrião.

Mas, como fazer com que os olhos de Beatriz se desviassem pra ele?

Consciente estava de que não tinha nenhum atributo físico capaz de merecer qualquer fração de segundos de seu olhar. Ele não tinha dúvida, aquela mulher era uma princesa de raríssima beleza e com certeza, só teria olhos para um homem que estivesse próximo da perfeição.

Definitivamente não seria ele, logo ele que vivia a quilômetros luz de qualquer perfeição. Como haveria de ser, simplesmente, Beatriz passou por ele deixando para trás um rastro estelar que jamais pode ser confundido com pegadas pois, se trata de um rastro que se desfaz, apenas pode ser visto, ou imaginado. Uma mulher como aquela não entrega o endereço enquanto caminha, uma vez que poderia morar onde quisesse.

Ele sentiu-se pó estelar durante sua passagem, mas depois de recompor suas partículas e voltar a ser gente, tudo piorou. Já estava em sua cama e não conseguia parar de pensar no que vira. Achou melhor ser pó, pelo menos, poderia ser conduzido pelo vento e quem sabe tivesse mais chance de uma aproximação, nem se fosse para tocar sua superfície e, quem sabe, ficar por ali, teimoso, até que uma chuva caísse.

Como não conseguia mesmo dormir, acendeu a luz, foi até seu ateliê e observou os quadros que pintava. Seu motivo era sempre a natureza. Pintava riachos, flores, mares, montanhas, céus. Tinha apurado senso crítico e sabia que algumas de suas obras como pintor mereciam até olhares mais demorados, como aquela quando pintou uma lua em quarto crescente e conseguiu dar vida a tela com cores que a prateavam, sem deixar de mostrar nuances num tom de esperança que convencia quem para o quadro olhasse de que a lua cresceria. Foi quando se sentiu próximo de uma das tantas perfeições necessárias para que ousasse uma aproximação de Beatriz.

Era muito pouco, mas sentindo que morreria se não tentasse, ousou. Dia seguinte quando um perfume natural feito clarim de arcanjo veio avisar que Beatriz se aproximava, ele se colocou à frente do caminho.

Sem palavras primeiro mostrou o quadro da lua feito cartaz de mudo pedindo auxílio. Ela parou. Foi quando notou em seus olhos certo ar de admiração pela obra.

Teve tempo de respirar e, quando o ar renovado lhe encheu os pulmões, sentiu que poderia falar. E falou que era pintor, fez aquela tela, assim como havia feito outras e propos que se ela o achasse merecedor, gostaria de tê-la como modelo para que pintasse o mais lindo de todos os quadros.

Com certeza não foi sua aparência física que a convenceu, mas o talento que ela viu retratado na tela. Talvez mais do que isso ainda, a sinceridade com a qual falou. No dia seguinte Beatriz estava em seu ateliê e sem negativas permitiu que ele a preparasse como modelo.

Ele a despiu inteira, talvez de uma forma que nenhum homem antes tivesse conseguido e com o passar dos dias diante do entusiasmo da musa pelo quadro, a despiu muitas outras vezes.

A tocava escolhendo os melhores ângulos para sua obra de arte. Seus dedos tatearam cada célula do corpo de Beatriz. A amou com o tato. Foi além do "Braille" quando fez a leitura de que pelo menos naquele instante era correspondido em seu querer. Sentiu-se o melhor entre os homens da terra quando percebeu que era capaz de lhe eriçar os pelos. Vibrou por dentro quando a sentiu estremer, no momento em que deixou sua mão escorregar na cavidade da cintura com força suficiente pra subir até os quadris.

A amou com os pincéis, a amou com as cores, a amou quando quase tocou os cílios em seus seios na observação detalhada de um ângulo que precisava passar para a tela.

Pelo seu gosto pessoal não teria terminado aquela obra nunca, por isso, demorou o quanto pôde.

Um dia, o quadro ficou pronto. Beatriz foi às lágrimas, de tanta emoção e disse que ele a havia retratado no quadro de uma maneira tão especial, que ela sentia-se linda toda vez que olhava para a pintura.

O pintor a corrigiu dizendo que ela era muito mais bonita em pessoa do que em sua obra. Beatriz respondeu que não era a sensação que tinha quando olhava para o espelho. Refletida no espelho era apenas uma mulher comum, mas no quadro do pintor ela se via como dona de rara beleza.

Como Beatriz nunca mais foi vista, até hoje não se sabe quem mentia. Se o espelho ou, os olhos do pintor.

A dúvida neste caso é pertinente, porque há coisas que não podemos provar, só podemos sentir.


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Paulinho Boa Pessoa
Enviado por Paulinho Boa Pessoa em 06/01/2009
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