NÃO QUERO QUE TE VÁS

Amigo,

não quero que te vás ainda, pois gostaria de te ver mais um pouco.

Sei que te importas comigo, com ele, com todos. Te importas com os que conheces, e empenhas teus dias e tuas forças pelos que não conheces, porque para eles queres um mundo de paz e justiça que ainda não viste chegar, mas que já é fato em teu coração sonhador.

Penso em ti e na imagem que construíste à minha frente e de novo tento pedir, chego a clamar de que te demores mais um pouco, para que nossa estrutura frágil e confiante de gostar e querer perto os que nos inspiram a amizade, se apóie em teu exemplo e possa fluir ainda mais se estiveres pulsando para nós a energia confiante de quem sabe ser bom.

De novo busco em minha memória elefante milhares de razões para pedir que fiques, quando a natureza conspira e anuncia tua partida – só sei que não quero, amigo te peço, não quero que te vás, ainda!

Dos tempos duros de luta inglória pela vitória alheia, lembro de tua perseverança ante o inesperado, e de tua alegria a cada passo, marcado pelo avanço minguado de pequenas vitórias e grandes conquistas, que nos trouxeram chuvas de anônimos sorrisos em rostos vincados pela descrença seca da falta de compromisso de uns poucos com um futuro mais digno a uma legião de muitos desvalidos a quem só resta crer e esperar. Deles bebias a energia necessária para estar pronto em cada dia seguinte, àqueles rostos que para ti olhavam na certeza de que as conquistas não tardariam a chegar. Tempos de uma luta que sempre valeu a pena e na qual acreditas mesmo agora, em que calado só te resta observar o tempo e a esperança correr a tua revelia.

Pareces alheio, soube há pouco, mas creio que teu coração bravo não te permite sumir enquanto estamos a pedir que fiques, enquanto esperas para saber se vais. A nós coitados e crentes, o sofrer se oferece como se um algoz fosse e de nós se apodera sem dar muitas chances àquela ponta de esperança de que a vida é vida se está a nos olhar, e se está, então a temos! E de novo pedimos, não queremos que te vás...

O tempo passa e com ele só a saudade fica. Pensar em ti desta forma é dar espaço ao inusitado e aceitar a compreenção de algo mais. Se for a hora e se for o tempo, não posso reter o que se esvai e nem quero pedir o que não me cabe.

Desejo que te vás então, se teu coração estiver pronto e tua alma em paz.

Pelo que deixas, muito há que ser lembrado com alegria posto que as marcas, que deixas vivas entre passado e presente, compõem o futuro que ajudaste a construir e que, por isso, também é teu.

E ainda que não queira e sofra, acabo por aceitar que te vás, porque preciso acreditar que és feliz, mesmo na dor. Este é o legado maior de quem assim fez por merecer nesta vida; vida que para todos nós se põe como palco de uma apresentação efêmera e com cujo público interagimos incansavelmente até que todas as luzes da platéia se apaguem, e que do palco anunciemos o partir derradeiro, momento do grande encontro pelo qual sonhamos, lutamos, vivemos e partimos, encontro que nos reserva outra jornada e para a qual só a Fé nos permite continuar a viver.

Que Deus te ampare agora e sempre e acolha nossa dor como Sua.

Desconsolados, com carinho e saudades. Rezamos por ti.

Até um dia, amigo!

Houten, 23 de abril de 2008

Homenagem ao amigo Elizeu, na esperança de que sua luta pela vida ainda não esteja terminada.

Anadijk