POESIA E SEUS COMPARSAS

(aos irmãos do 4º Acampamento da Poesia, em Entre-Ijuís/RS)

Amados feiticeiros, pajés do tempo:

Mais uma vez a vida nos agraciou com novos estímulos para que a Poesia se estabeleça na cabeça e no coração da alma gêmea que nos habita.

Heterônima, como diria Fernando Pessoa, o poeta da raça lusitana. Estamos mais próximos dele do que de Camões e dos descobrimentos.

Nesses campos dos Sete Povos, trigados de terra vermelha e de malmequeres na primavera, tudo é diferente, desde o sotaque, o linguajar soturno, seco, marcado pela miscigenação lingüística. Os olhos, nem se fala! Há um misto de espanto e de perplexidade.

Por sobre os coxilhotes e caponetes do Parque das Fontes, nesse Entre-Ijuís de rara beleza, o caudal amoroso nos reconstruiu durante os três dias do 4º Acampamento da Poesia.

Fizemos amigos, trocamos experiências, falamos de poesia com seriedade, e fomos meninos e meninas buscando a infância perdida. Nas retinas de nossas almas ficaram registros.

Saímos, – todos – na plenitude dos que amam, distribuindo a inspirada Beleza, o coração pleno, harmonioso. Quem se beneficiará é o leitor, que tem direito a uma cantiga de Paz e de Futuro.

"Panis et circensis", vale a rememoração latina. Mas é necessário que se diga – em letra de forma – que vocês, os organizadores, foram o "pão".

Nós, os mesmos menestréis de antanho, nada mais sabemos do que apenas fazer o "circo", porque nem a fome ou a histórica falta de liberdade nos tolhe o canto e voz.

A Poesia, neste continente sul-americano, é o fogo da resistência. É esta quem fala antes dos outros – os aproveitadores do pensamento idealista –, aqueles costumeiros líderes populares que legam falácias do nada para a posteridade.

O que fica é o brado contido dos que amam.

Os bobos da corte estiveram, mais uma vez, fazendo os seus tricos e futricos, como no passado: seus baronatos, condados, ducados, reinos de ficção para o plebeu, para os vassalos que, de seu, só tinham os versos, a palavra dita!

Neste pequeno lapso de tempo, o olho do sol brincou conosco e nem a chuva molhou nossas cabeças. Parece que o Senhor Deus dos Jesuítas e dos Guaranis cometeu os seus fetiches. A terra vermelha batizou-nos de vento e pó.

Ainda ecoam dentro de nós as lamúrias dos Sete Povos, saga rediviva. É muito bom nos sabermos resistentes em nome da sobrevivência.

Amados poetas! Vocês fizeram o ambiente, administraram, pagaram a conta, e continuarão trabalhando com o real e o irreal bem ou mal-havidos, incertos para a permanência no Amanhã.

Encaminhamo-nos para os festejos natalinos e nossos olhos estarão mais puros para denunciar o descalabro social e a fome nos campos e nas cidades.

Sepé Tiaraju restará vivo com o seu grito de guerra (em cada um de nós) ou será apenas “o vento do Bojador que vai além da dor”, o soprar do sofrimento há séculos repetido, uivando nas consciências.

Em nossos mares, salgados de angústias e inquietações, ainda está vivo o gutural sopro nos ouvidos moucos:

“Valeu a pena? Tudo vale a pena, se a alma não é pequena”.

– Do livro CONFESSIONÁRIO – Diálogos entre a Prosa e a Poesia, 2006.

http://www.recantodasletras.com.br/mensagensdeamizade/73113