OUVIDOS DE OUVIR!
* Nadir Silveira Dias
Quero ter olhos de ver o pão com manteiga não mais cair ao chão. E se cair que seja com a manteiga virada para cima.
Quero ter olhos de ver todos com boa alimentação oriunda do suor do próprio rosto, do esforço digno e contente por possuir força e saúde para tal.
Quero ter olhos de ver emprego para todos e todos exercendo esse trabalho com gosto, respeito e alegria pela sua realização.
Quero ter olhos de ver todos vivendo em digna habitação, limpa, cuidada e tratada com olhos de bem-querença, apesar de eventualmente humilde.
Quero ter olhos de ver a saúde estendida a todos: adultos, velhos e novos; com carências recentes ou antigas carências, com igual carinho e idêntica atenção.
Quero ter olhos de ver a segurança pública e a segurança privada como regra que se opõe a tudo e a todos que sejam contrários a elas.
Quero ter olhos de ver a educação como mestre maior de todas as outras ciências e os mestres professores e educadores com a dignidade de poder ensinar com salário digno, com a autoridade que precisam e com o respeito que merecem.
Quero ter olhos de ver a meiguice, (ternura, carinho,) que anda tão fugidia... arrepiada de horror diante das barbaridades públicas e privadas que vemos todos os dias estampadas nos jornais, que ouvimos no rádio e vemos na televisão.
Quero ter olhos de ver a hipocrisia e o cinismo da sociedade a jazer no fundo imenso, tectônico e profundo da terra-mãe, suficientemente poderosa para levar, de um só roldão, quase trezentos mil irmãos sul-asiáticos.
Quero ter olhos de ver as coisas todas agindo (ou desagindo) na sua inércia em favor do homem, espécie, de todos os seres que existem.
Quero ter olhos de ver o irmão dando a mão para o outro irmão sem ter a pronta intenção de logo vir a tomar-lhe o que ainda restou do infortúnio eventual ou permanente.
Quero ter olhos de ver os fazedores do mal sendo queimados pelas hostes da bem-querença, pela força que o bem imprime em tudo que vê, em tudo que toca, em tudo que sente, em tudo que intui. O bem que tudo purifica, verseja e harmoniza, e poder vê-los então sãos por inteiro, condenados a ser, permanentemente, fazedores do bem!
Quero ter olhos de ver a vida fluindo solta, solene, célere, lenta, cálida ou tempestuosa, pois na vida há tempo para tudo. Há tempo até mesmo para aprender que a vida é curta, e muito breve para aprender o que é preciso.
E, evocando o oriente multimilenar (por que não?), quero ter plena saúde para levar o meu trineto à praça, brincar com ele, e vê-lo tomar o seu mingau em tigela de ouro. E o mesmo ainda fazer com o filho dele!
Quero ter olhos de ver... e ouvidos de ouvir!
* Escritor e Poeta – nadirsdias@yahoo.com.br