Homenagem ao Meu PAI

Eu sempre tive várias perguntas ao longo da vida. Perguntas do tipo existenciais ou práticas. Práticas que questionavam o certo, o errado e as conseqüências de minhas ações. As existenciais, me acompanharam ao longo de minha vida, ali, escondidas entre os escombros das várias experiências vividas, mas foi com a morte de meu pai que percebi que todas as questões se resumiam apenas em dois tipos. Àquelas que precisam ser respondidas normalmente à luz da sabedoria e outras, as mais dolorosas, que precisam ser apenas e simplesmente vividas.

Lembro-me de ter lido em algum lugar, que pela ordem cronológica da vida, um pai nunca deveria sepultar um filho. No entanto, a dor de sepultar um pai é uma dor quase sem nome e que nasce no fundo das razões mais secretas da alma. É uma dor sentida, que entorpece a alma e rouba-nos os sentidos. Esta dor é anfitriã do tempo, fazendo com que a noite corra em descompasso com nossos corações e o dia torna-se mais curto ante o horizonte da despedida.

Estive imerso por algumas horas e nelas, percebi que meu inverno havia chegado e que como uma questão da vida, eu deveria viver este momento e... vivê-lo sozinho. Foi assim durante as longas horas daquela noite em que não vi a maioria de meus amigos. Agora, distante do frio da madrugada mas ainda coberto pela dor, entendo que todos eles cresceram, assim como eu, cultivaram famílias, seguiram em frente... Outros mudaram de casa, cidade, de atitude e alguns simplesmente ficaram distantes. Também pude ver o quanto eu havia mudado ao longo do tempo. Naquele instante percebi que não sentia e nem via as coisas como antes e posso dizer que os entendi completamente. Naquelas horas pude olhar para a maioria dos meus sonhos, aqueles que eu possuía na infância, aqueles que perduraram pela longa e difícil jornada da vida adulta, aqueles poucos que me restaram e quando os vi ali, diante de meus olhos, qual um retrocesso de vida, sentei, chorei e senti saudades.

Houve uma dor imensa, um vazio que não podia ser preenchido pelas coisas do mundo. Por vezes, durante o meu dia ainda percebo que há uma dor dilacerante aqui junto à mim. Aqueles instantes que me cercaram a noite, me fizeram entender a despedida e acreditar que na vida tudo, simplesmente tudo tem um fim, mas percebi que a vida não havia me preparado e eu simplesmente não sabia que seria assim. Aquele momento roubou parte de meu coração e acredito ser para toda a vida.

Pude saber naquele momento que o definitivo havia batido a minha porta e por mais que vivamos a vida, nós não a conhecemos, não sabemos o que seu curso nos reserva para o amanhã. Percebi que há acontecimento em nossas vidas que provocam um ressoar profundo em nosso ser, nos faz sentir pequeninos ante a mão de quem escreve a vida. E por mais que sejamos fortes, que tenhamos coragem, ainda sim não teremos poder para mudá-los. Descobri naquele momento que não podia mudar a vida e o fato, mas como em um último ato de coragem, decidi deixar que, ao menos, eles me modificassem.

Dentre os vários dons que herdei de meu pai, um em especial me colocava em uníssono com ele: O dom de escrever. Naquele momento dei-me conta que nunca havia dedicado um tempo, ou linhas, para escrever sobre meus pais, sobre suas vidas e sobre seus ensinamentos, que me tornaram o homem que sou hoje. Havia escrito, ao longo do tempo, poesias, poemas, crônicas sobre as coisas do mundo, emprestado até vários de meus textos, mas nunca tinha tido meus pais como inspiração. Hoje posso sentir o que me faltou naquele tempo, e agora quando a dor me alcança, quando a dor da despedida tende a aumentar com a distância... Simplesmente escrevo.

Ao guardar a morte de meu pai percebi que minha fé também entrou em luto. Nunca duvidei da existência de uma força soberana, do existir de um mão que escreve nossas vidas, não, nunca duvidei desta existência, desde então apenas não consigo mais dialogar com Ele ou olhar em Seus olhos.

Não faz muito tempo que meu pai se foi e desde então, tenho sentindo saudades diante das muitas coisas que me aconteceram depois de sua despedida. Sempre esteve presente na minha e na vida meu irmão. Lembro hoje, neste dia especial, com lágrimas em meus olhos, do olhar permissivo de meu pais. Um olhar que nos permitia viver as coisas corretas e por muitas vezes as coisas necessárias para que nos tornássemos os homens que hoje, eu e meu irmão somos. Por inúmeras vezes, fizemos escolhas erradas, em tantas outras conseguimos nos levantar e voltar e naquelas mais dolorosas e difíceis, ele sempre este lá, sempre esteve, para curar as feridas mais dolorosas, aquelas que nos deixaram marcas que ainda carregamos.

No processo de carregar estas marcas e na continuidade de minha vida deparei-me com a beleza santa de meu filho e com a sua semelhança à mim, quando menino. Entendi então que a roda da vida, em seu constante movimento, continuava... E na promessa de meu pai... me amparei... a de poder ser o melhor pai que eu pudesse ser. Percebi que meu pai se eternizava em mim, assim como eu, um dia serei eterno no meu filho.

Neste momento decidi administrar a ausência de meu pai, não esquecer, não sepultar... apenas e simplesmente administrar. Percebi que ao fixar-me na perda, poderia correr o risco de não viver as coisas de meu mundo, correr o risco de não deixar a vida seguir e privar-me talvez de um novo rumo que a vida poderia me abrir. Decidi deixar que o movimento da vida, curasse as minha feridas, minha alma e passei a entender que o tempo sozinho não tem esse poder e que era preciso me esforçar, me dedicar e fazer a minha parte neste pacto de vida. Este pacto tem o poder de curar as dores d´alma.

Aprendi em meio a dor que a ação mais bonita e bondosa conoscos, com nosso pares e com á pessoa querida que se foi, é de permitir que a vida continue a acontecer à seu modo, no seu curso e no seu sagrado e valioso tempo. Permitir que a vida continue seu curso, seguir em frente, passo a passo, mesmo com a toporcidade do momento, mas reconstruir... reconstruir e seguir. Decidir não eternizar a perda de meu pai, não tornar eterna esta dor... se há de se eternizar algo... decidi que seria seus ensinamentos, valores, sua hombridade... decidi eternizar o meu pai.

Decidi decifrar esta dor, entende-la melhor e aprendi com isto que sofremos demais com a perda de uma pessoa querida porque atribuímos à ela, aos momentos que vivemos juntos, os melhores momentos e o melhor tempo de nossa vida... frente a isto... as incertezas de um futuro obscuro, vindouro, sem esta presença parece-nos estarrecedor, amedrontador e tenebroso. Como processo de cura, deixo-me pensar que o hoje é o meu melhor momento e que o futuro será melhor que hoje, em tempo, dizer que o meu melhor momento esta ainda por vir.

Entendi o processo da perda e sei que choramos por nos mesmos quando alguém querido parte... choramos pela incerteza do futuro, por não nos vermos nesta vida sem àquela pessoa... e se este choro é por mim... decidi não me ressentir e assim não mais chorar em minh´alma. Não tem sido fácil e sei que assim será pra sempre, uma eterna luta.

É certo que meu pai não esta mais comigo, que não vejo mais seus olhos e não sou capaz de escutar sua voz física, assim como é certo dizer que ele está em mim, simplesmente por carregar em minha vida, em minhas atitudes, muito do que ele me deixou. Hoje escuto sua voz de outro jeito, o escuto no silêncio de meus dias, no silêncio diante das minhas dificuldades e também no silêncio das minhas vitórias.

Aprendi que por estarmos imersos aos nossos problemas do dia a dia nos esquecemos da temporariedade da temática de nossas vidas, a que estamos em um constante processo de perdas. Nos perdemos de nos mesmos quando não realizamos os nossos mais sinceros sonhos, quando abdicamos de fazer o bem à alguém, quando simplesmente deixamos de viver e por várias vezes, alguém pode decidir perde-se de nos mesmos... atualmente estou tentando compreender isto.

Mas em eterna homenagem ao homem que foi o meu pai... a tudo que me tornei graças à ele... à seu amor... à seus ensinamentos, decidi não me sepultar em vida, ser um héroi a cada dia, assim como ele o fez em seus últimos dias de vida. E para fazer de meus dias uma eterna homenagem à meu amado e eterno pai e poder ser para o meu filho o que ele foi para mim: O melhor pai que eu puder ser...

O meu melhor é hoje ou ainda está por vir...

OliverDan
Enviado por OliverDan em 10/08/2014
Reeditado em 09/11/2015
Código do texto: T4917510
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