ENTÃO “PROCURA-SE UM AMIGO”
ENTÃO “PROCURA-SE UM AMIGO”
E o poeta também filosofou sobre a amizade. Tudo o que se tem dito pode ser condensado nas folhas que constarão com a maravilhosa poesia de Fernando Pessoa:
“Não precisa ser homem, basta ser humano,
basta ter sentimentos, basta ter coração.
Precisa falar e saber calar;
sobretudo ouvir.
Tem que gostar de poesia, de madrugada, de pássaros, de sol,
da lua, do canto dos ventos e do murmúrio das brisas.
Deve ter amor, um grande amor por alguém,
ou então sentir falta de não ter esse amor.
Deve amar ao próximo e respeitar a dor
que os passantes levam.
Deve guardar segredos sem se sacrificar.
Não é preciso que seja de primeira mão
nem mesmo é imprescindível que seja
de segunda mão;
pode já ter sido enganado
(todos os amigos são enganados).
Não precisa que seja puro, nem que seja de todo impuro,
mas não deve ser vulgar.
Deve ter um ideal e medo de perdê-lo.
No caso de assim não ser,
deve sentir o grande vácuo que isso deixa.
Tem que ter ressonâncias humanas,
seu principal objetivo deve ser o de ser amigo;
deve sentir pena das pessoa tristes
e compreender o imenso vazio dos solitários.
Deve ser D. Quixote, sem, contudo, desprezar Sancho Pança.
Deve gostar de crianças,
lastimar as que não puderam nascer
e as que não puderam viver.
Procura-se um amigo para se gostar
dos mesmos gostos,
que se comova quando chamado de amigo;
que saiba conversar de coisas simples, de orvalhos,
de grandes chuvas e de recordações de infância.
Precisa-se de um amigo para não enlouquecer,
para se contar o que se viu de belo ou de triste
durante o dia, dos anseios e das realizações,
dos sonhos e da realidade.
Deve gostar de ruas desertas, de poças de chuva,
de caminhos molhados, de beira de estrada, do mato,
da chuva, e de se deitar no capim.
Precisa-se de um amigo que diga que vale a pena viver,
não porque a vida é bela, mas porque já tem um amigo.
Precisa-se de um amigo para se parar de chorar;
para não se viver debruçado no passado
em busca de memórias queridas.
Precisa-de de um amigo que nos bata no ombro,
sorrindo e chorando, mas que nos chama de AMIGO.
Precisa-de de um amigo que creia em nós.
Precisa-se de um amigo
para se ter consciência de que ainda se vive.”
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Do livro “Mensagens para A. Tito Filho”, Edição da autora, Teresina, 1997, páginas 03 e 04.
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