Maria Brasil
 

             Edson Gonçalves Ferreira


     

                          
 

Quem sois, mulher diferente
De bucho estufado,
De pernas inchadas,
De mãos tremulantes,
De olhar infante,
Ao lado deste homem
De rosto comum?
 
 
_ Eu sou Maria, senhores,
   a moça Maria,
   a dona Maria,
   a infeliz Maria,
   a paria Maria,
   a velha Maria,
   a trôpega Maria
   a cansada Maria,
   a singela Maria.
 
                         

Quem sois?... Quem sois?... Quem sois?...
Quem sois então
Para ousardes bater
De porta em porta
Fora da hora
Distante de vossa terra
Incomodando os doutos
E a fina gente
Pedindo abrigo
Implorando asilo,
Um pedaço de pão,
Um copo d´água,
Para deitardes fora
O fruto de vossa imprudência?
 
_ Eu, eu sou Maria, senhores,
   Maria dali,
   Maria de cá,
   Maria daqui,
   Maria dacolá,
   esperando um filho
   como tantas outras Marias quaisquer.
 
          
                                          
 
Mas Maria de quê, mulher?
Como se chama o vosso homem
Qual é o vosso sobrenome
Que encobre vossa audácia
De parir nova gente
Nestes tempos indigentes,
Principalmente um rebento,
Um rebento repelente,
Fruto de alguém como vós
E de reles trabalhador?
 
_ Eu sou Maria, distintos senhores,
   nobres doutores,
   caríssimos professores. Eu sou Maria,
   Maria das Graças,
   Maria do Carmo,
   Maria das Dores,
   Maria Piedade,
   Maria Socorro,
   Maria José.
 
                         

Respondeis, respondeis
E não sabemos ainda
Quem sois vós, mulher,
Mulher repelente,
Mulher indigente,
Mulher imprudente,
Que ousais ser mãe
Sem bens, sem teto, sem lar.
 
_ Que posso dizer, senhores,
   se sou apenas Maria,
   mulher do povo,
   do sofrido povo,
   do injuriado povo,
   que vem dali,
   que vem de lá,
   que vem de cá,
   à procura do pão, do teto e do lar.
  
                                    
 
Poderíeis dizer, asquerosa mulher,
Porque fostes ficar,
Numa hora como esta,
prenhe. Não sabeis que os tempos são difíceis,
que não há emprego,
impera o desespero para quem, como vós,
não pensa antes de agir?
 
_ Ora, senhores
   com perdão antecipado.
   pela resposta que vou dar,
   muito antes de ser Maria, sou mulher,
   mulher brasileira
   que o Amor descobriu
   que de Vida cobriu,
   que da sombra fugiu,
   que para a dor partiu.
 
                                     

Ah! Então, pelo menos, confessais, senhora,

Que sois mulher,
Mulher brasileira
nascida na terra onde sobre o “lindo pendão”
em letras formosas
gravadas estão
palavras sábias
de “Ordem e Progresso”?
 
_ Sim, senhores,
   eu sou Maria, mulher brasileira,
   que embora repelente,
   ainda que indigente,
   sobretudo imprudente,
   acredita no Amor.
 
                       
 

Se sois, então, senhora,
Mulher brasileira, saheis que
“sobre a imensa nação brasileira,
 nos momentos de festa ou de dor,
 paira sempre a sagrada bandeira,
 pavilhão da justiça e do amor”?
 
_ Sim, eu sei, senhores,
   embora sendo Maria,
   mulher repelente,
   mulher indigente,
   mulher imprudente,
   que ousa ser mãe,
   sem pão, sem teto, sem lar.
 
                         

O que estais insinuando
De nossos poderes
Que têm intenção primeira
De proteger os filhos desta “terra, mãe gentil”
Que estejam como vós, ilustre senhora,
Numa situação deplorável,
Fato inusitado em nossa história?
 
_ Não, senhores doutores,
   caríssimos professores, distintos senhores,
   quem sou eu para deitar reclamações
   pisando este chão esplêndido,
   se sou primeiro,
   por acidente ou milagre,
   uma simples Maria,
   Maria Brasil.
 

                                        
 
 
Então, porque não ides embora,
Carregando de volta
Este bucho estufado,
Nestas pernas inchadas,
Com estas mãos tremulantes,
Este olhar infante,
E ao lado deste homem
De rosto comum?
 
 
 
_ Porque eu sou Maria,
   como tantas outras Marias,
   que insistem com a Vida,
   que carregam no ventre
   um fruto de Amor
   que pode nascer aqui e acolá,
   porque, afinal,

   senhores doutores,
   caríssimos professores,
   distintos senhores,
   nem aqui,
   nem ali,
   nem lá, temos pão, teto ou lar
   já que assinamos em comum,
   apenas Maria,
   MARIA Brasil.
 

                                              


Extraído do livro “Nas garras de Deus”, de Edson Gonçalves Ferreira, publicado em 1984, pela Editora Estrela do Oeste Clube e arquivado na Biblioteca Nacional.
 
Divinópolis, 14.01.2010

edson gonçalves ferreira
Enviado por edson gonçalves ferreira em 14/01/2010
Reeditado em 17/03/2010
Código do texto: T2029283
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