Genial!

Wilson Correia*

Li a excelente matéria de Flávia Guerra, no Diário da Manhã**, dia 21/09/2009 – Dia da Acessibilidade, capa do DM Revista, intitulada Explosão de Vida, cujo resumo foi: “Deficiente visual desde o nascimento, servidora do TRT [Tribunal Regional do Trabalho, Goiânia] não se deixa abater e mostra que limites sempre podem ser superados”. A deficiente visual em questão é Hosana Lacerda, 38 anos de idade, de quem fui colega no curso de Filosofia da hoje Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO). Um tempo singular, de convivências gratificantes e aprendizagens inesquecíveis.

Entre 1989 e 1992, convivi boa parte do tempo ao lado de Hosana. Agora, lendo fragmentos das falas dela, e tendo confirmada a história exitosa que ela ostenta, orgulhosa, noto que minha companheira de academia não mudou em nada a atitude determinada e bem resolvida diante da existência. Ao contrário, parece-me mais forte e imbatível do que nunca, tal qual se fazia perceber naqueles anos de estudos compartilhados, visitas mútuas, conversas infindas, anseios tornados comuns e de passagens alegres, hilárias, felizes.

O bom humor marcava nossa convivência. Vasculho minha memória, mas não encontro uma Hosana fatalista, lamuriosa, vendo sempre o lado negativo da vida, entregue ou abatida por algum contratempo trazido por vicissitudes várias. Aquela firmeza em trilhar o melhor lado do caminho da vida que Hosana demonstrava me impressionava sobremaneira, e, hoje, quando me volta à lembrança, intriga-me como nada neste mundo.

Foi Hosana que me ensinou como se deve auxiliar um deficiente visual. Lembro-me de que eu não sabia mesmo. E ela: “Vocês pensam que precisam arrastar o deficiente? Espere ele solicitar auxílio e dê o braço, que o deficiente se ampara em você e o segue tranqüilo”, algo próximo disso foi o que ouvi dela.

Na matéria, Hosana conta: “enfrentei muitos preconceitos”. E enfrentou mesmo. Certa vez, quando íamos de coletivo à casa de uma amiga comum cumprir nossas tarefas estudantis, uma moça a agrediu, a tapas, e pulou do ônibus, imaginando que Hosana a estivesse encarando. A moça não podia saber que se tratava de alguém que não enxergava, e dizia, repetidamente: “Você pensa o quê? Eu não sou disso não, sua safada!!!”. Ao invés de se revoltar e desejar o revide, Hosana caiu na gargalhada. E me fez gargalhar ainda mais. Hoje, rio sozinho quando aquela passagem me volta, como se tivesse acontecido ontem. Porém, rio com extremo e profundo respeito pela então colega de curso, a quem tanto admiro.

Claro que a história dela merece o reconhecimento que agora lhe bate à porta. Um percurso com momentos em que “Os pequenos me ensinaram muito”; em que “Os grandes me rejeitaram demais”. Serenidade e sabedoria ela sempre teve, não só para distinguir aprendizagem de rejeições, mas, sobretudo, para saber que o que cada pessoa pensa de outrem é problema de cada pessoa. Segundo ela, o “deficiente visual é um ser individual, com necessidades diferentes. Se as pessoas me rejeitam, eu não ligo. A dificuldade não está em mim”. Sim, Hosana, concordo com a idéia de que a dificuldade está em quem não sabe conviver com a diferença, dada a vida em 3x4 que leva e julga ser normal, imaginando ser a única possível, padronizadinha, comunzinha, e na pasmaceira do igual que repete o igual.

Para mim, leitor do Diário da Manhã, foi um privilégio e um presente ler essa matéria, que, na verdade, é uma lição de vida, contra o preconceito e contra as limitações que os humanos criamos uns para os outros. Fico, por fim, com o lema, proposto por Hosana Lacerda: “Os limites que os outros criam eu não aceito, derrubo e supero”. Simplesmente genial!

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*Wilson Correia é filósofo, psicopedagogo e doutor em Educação pela Unicamp e Adjunto em Filosofia da Educação na Universidade Federal do Tocantins. É autor de ‘TCC não é um bicho-de-sete-cabeças’. Rio de Janeiro: Ciência Moderna: 2009. Endereço eletrônico: wilfc2002@yahoo.com.br.

** Fonte da matéria citada: www.dm.com.br