SAUDAR A VIDA: ESTE O SEGREDO

Precioso Nelson Corrêa, estimado amigo e talentoso artista da palavra!

Saúde, paz e prosperidade!

Algo é certo: uma das coisas boas do que me aconteceu nos quase sessenta dias de Brasil do Norte e Nordeste foi te haver conhecido, logo na cidade em que mais me encontrei como pessoa, a partir do clima, a arborização das ruas e sua gente formosa, alegre, exuberante de vida e amor.

Belém do Pará foi isto: encontro espiritual no meio de tanta saudade acumulada, mesmo que em tempo de Natal, longe de minha querência, de meu bem-querer, dos afetos cotidianos.

O amor de vocês para comigo supriu, encantou-me, me fez penhorado à nossa nação continental. Um gaúcho repontando uma tropilha de desejos de pátria amada!

Imagino e anseio poder estar de novo no chão amoroso da Amazônia, degustar o sabor de frutos do mundo animal provindos de terra, de rios e mares, borrifados de molhos aromáticos, cheirosos de tucupi e outras especiarias; suado, gelado (por dentro) pelo açaí, cupuaçu, murici.

Os olhos estatelados no Teatro da Paz, burlando a consciência só pra não me pegarem beijando as estátuas de Érato, Melpômene e as outras cinco musas que habitam a fachada do edifício tropical da estrela-guia espiritual do apogeu da borracha.

Que outra maneira de agradecer aos deuses e aos bons ventos da Arte, se não lembrar, saudoso, a Izarina, a Ádina, a Lana, a Noêmia e esta figura matriarcal, poderosa, que é a Lucy Mourão?

Meu amigo: vês que estou em tua pessoa pela saudade, pelo talento, pelos afetos trocados no entorno dos poemas, pelo espiritual?

Como tolher qualquer coisa que me trouxesse à memória o prazer?

Sou-te grato por mais esta notícia, pelas tuas intenções de saudar a vida com a tua oralidade, logo em cima de meu texto, um mero discurso fúnebre em que abri o coração pra homenagear a memória de um poeta que partia com sua carga de misérias.

Faze bonito, poetamigo, com a minha despretensiosa arte coracional, pulsante de entrega ao mistério do outro.

Se te fizer bem, respingará em mim como a gotícula da aspersão da extrema-unção de Deus pela mão do sacerdote. (Não é por outra razão que o Mario Quintana legou a rogatória: da vez primeira que me assassinaram perdi este jeito de sorrir que eu tinha...).

O espírito que me habita também se fará feliz, porque tenho a impressão de que quando se quer agradar o semelhante com a oralização do verso, Deus está mais próximo de nós pelo Verbo, pela Verdade. Porque estamos nele e ele em nós.

O verbo sacraliza e obriga ao exercício da verdade.

Faze o que te aprouver com os vocábulos de meu texto de oratória fúnebre a que chamei A MORTE ESCOLHE ALGUÉM PRA FALAR. Junta e rejunta palavras com o brilho de tua voz, de tua interpretação, de teu estro poderoso. É esta a argamassa do edifício estético.

A vida seguirá plena em sua trajetória, o bem e mal sempre estarão juntos, no limbo dos desejos, mas, enquanto um homem ou mulher abrir a boca pra falar sobre o Imprevisto, o insondável da alma humana vai continuar a criar o Belo.

Não era esta a Beleza que o meu verso eventual e a minha prosa desejavam quando nossa voz se despedia do homenageado, poeta Antonio Irajá Becker, cujo corpo me olhava à porta do crematório?

Mas era apenas a sua carcaça. Seu espírito sorria de pena dos que ficavam e uma que outra dor em seu coração morto falava da saudade que sentiria dos que ora lhe davam o aceno de despedida.

E se isto se prolonga em tua voz, seja em que palco for, o espírito maior dirá que a perenidade chegou com sua imensa carga de amor.

Muito sucesso na interpretação do texto. Todos os espíritos já batem palmas e começo a imaginar que não foi em vão quando a emoção e o choro falaram por minha verve. Ainda há tempo pra bater palmas e saudar a irmã Fraternidade!

A posteridade se faz presente pelo milagre da morte, porque a estrada é infinita. Deus guarde o teu imenso talento e abençoe nossas loucuras.

Fica o escárnio para os que nada fazem, mesmo que aparentemente estejam vivos.

- Do livro, inédito, BULA DE REMÉDIO, 2004/2006.