AMIZADE: IRMÃ-GÊMEA DO AMOR

O teu carinho me encanta, como sempre! Transporta-me a outro plano, viajo em outra estrada. Comove-me. Repete-se em mim o que espontaneamente me transmites, aquilo com que me agracias. Fico grandão, pleno, coração compassivo.

Somos tão próximos há tantos anos (parece-me que há trinta e nove, pois tens quarenta e cinco primaveras, não é isso?), que sinto que se confirma o que digo sobre a Amizade:

— É uma flor do Tempo!

Temos que regá-la todos os dias pra que esteja sempre bonita, formosa! É preciso ter cuidados especiais, porque ela é irmã-gêmea do Amor.

Tua dedicação a esta flor é digna de nota, de agradecimentos ao Altíssimo que te faz mensageira do amor Dele. Esta é a dimensão imperfeita da pureza, da Onisciência do Divino.

Mas é possível que Ele seja criação do ser humano, e não preexista ao Homem. Se isto for correto, este é momento maior do estado de Graça!

A pureza, assim concebida, é uma serena Sempre-Viva no coração do humano. Uma flor que não murcha, que não perde a cor, e cujas inflorescências secas são vendidas como adorno. Permanece em essência, mesmo que a seiva não lhe corra nas veias.

Nada de rosas, que têm espinhos, que perdem tão rapidamente o viço e a cor. Aquele ar pardacento da palidez e os livores na face da flor mais amada pelos poetas relembram aquilo que não queremos.

Sim à bonomia da beleza, daquilo que estatela, que surpreende por sua placidez, por sua singeleza e contemplação frente ao universo.

Toda a vez que nos vemos, desdobro-me para que saibas o quanto te prezo, bem como a tua família, tão rica, tão amorosa, tão especial ao meu coração antigo!

José (teu padrasto por 30 anos), em sua máscara mortuária, era a certeza da finitude humana, mas, também, outra dádiva: quem muda de margem continua na estrada, neste fio de linha de permanência na memória dos que ficam.

O bem e o mal estão vivos no espírito humano. Sempre urdem suas travessuras. Alguém precisava dizer aos deste plano que considerávamos o finado um homem bom, digno, e válida a sua passagem para a nossa humanização.

Pretendi dizer isto ao seu espírito. Disse-o ao ouvido de tua mãe, a quem quero tanto bem. Foi a minha vez de falar com o coração prostrado de tristeza.

O espírito que interpretava vida era o mesmo que louvava a trajetória. A morte espiava o caminho do outro. Era apenas um fato a mais. A pedra que ficaria ali para sempre, engastada no tempo.

Pedra, sempre a pedra dos sepulcros a mourejar, insólita, na face dos que ficam.

Deus, criado ou Incriado, manifestou-se pela oralidade. O mistério da palavra banhou-nos de esperanças.

– Do livro CONFESSIONÁRIO – Diálogos entre Prosa e Poesia. Porto Alegre: Alcance, 2008, p. 21:2.

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