SOBRE OS PEDAÇOS DE MIM QUE NÃO RABISQUEI

Há 24 anos atrás estava vindo ao mundo. Foram sete anos entre o primogênito e eu. Segundo os relatos, estavam todas/os ansiosos com essa chegada. Meu irmão mais velho, ao saber da notícia que eu havia aterrissado aqui, nessa terra de insanos, saiu nas ruas, de bicicleta, anunciando que tinha o irmãozinho havia chegado. Era uma alegria que transbordava. Bem, isso não foi o suficiente para que tivéssemos, ao longo dos anos, uma boa convivência.

24 anos, é bem significativo. Em termos simbólicos, da tradição popular, o 24 me marca com toda uma simbologia em torno da sexualidade, essa que ronda todas as dimensões da minha vida, que vira e mexe se apresenta como elemento importante. Hoje me ponho a pensar na trajetória e fazer uma leitura crítica dela. Ao final, chego a pensar que o meu eu do passado, se tiver a oportunidade de visionar o presente, ficaria orgulhoso com todas as conquistas e os caminhos percorridos, pois proporcionaram bastante aprendizagens. Aliás, essa também me persegue, numa procura ininterrupta de fazer de qualquer passo dado e interação efetivada, uma frase que seja de um saber “a ser incorporado” na vida. E tenho muito a agradecer a todas/os aqueles que compuseram e compõem a partitura dessa música que é minha vida. Agradeço àquelas/es que ainda chegaram e peço compreensão para com meus erros e que me ajudem a crescer, chamando atenção quando for preciso e justo.

Agradeço aos passos dados, por me produzirem uma mente e forma de pensar que me orgulho, não que seja superior a ninguém, tão longe essa seria minha pretensão, mas de poder lidar com situações de forma humilde, esperançosa e com doses de maturidade, que tenho tanta ânsia em sempre me apropriar mais e coloca-la entre as notas.

Espero hoje, que meus “eus” futuros sempre acreditem na força do hoje, do amanhã e da força interior, que nunca percam a capacidade de sonhar e sempre se lembrem de onde vieram, das trajetórias realizadas e das pessoas que contribuíram, até mesmos nas mais simples e importantes formas, para que chegassem onde estiverem, sejam boas ou ruins, e que diante disso, possam sempre interpretar, ressignificar e aprender com tudo o que ocorrer. Desejo que possam cultivar a capacidade de sonhar e ajudar outras pessoas a construírem e realizarem sonhos. Que aprimorem a capacidade de ouvir, calar, e falar no momento apropriado sempre se colocando no lugar do outro, para que possa minimamente compreender o porquê da fala desse “outro” que é tão próximo e semelhante nas suas diferenças.

Peço que cultivem a humildade de pedir desculpas pelos erros cometidos para com outras pessoas, e que, caso eu tenha deixado algum desafeto ao longo do caminho, eu peço encarecidamente, sejam melhor do que eu e peçam desculpas, reconhecendo os erros que hoje eu não tive sabedoria de reconhecer.

Ao longo da vida alimentei grandes sonhos, vivi de forma muito dramática e construí uma forma de vida bem peculiar, bem minha, bastante subjetiva. Construí importantes relações, que marcam bastante quem eu sou. Aliás, sou um acumulo, ressignificado, dessas relações, experiências e interações. Um mosaico não organizado, e por organizar, dos abraços, discursos, toques e olhares compartilhados.

Falar de si é difícil, principalmente direcionar o olhar para os pedaços mais ordinários e podres que carregamos. Tentar superá-los é a tarefa da guerra constante que travamos com o nosso eu, que é tão fragmentado, que é tão plural.

Sobre o pedaço de mim que não rabisquei, peço que aprenda a ser coerente, que aprenda a construir diálogos, pontes e asas para nos espaços em que as pontes não possam ser construídas, mas asas que se desfaçam logo após a travessia, pois podem atrapalhar nas aprendizagens terrenas, das vivências tão ricas que possam ser estabelecidas em terra. Mas, que saiba reconhecer outros pássaros por aí, que ajudem a crescer e construir um ninho para procriar os “algos” que possam ajudar o mundo a ser um lugar melhor.

Cultive a esperança, essa que me guiou até aqui. Cultive a humildade, essa que foi tão importante e chave para as aprendizagens. Cultive o amor, esse que deve circular por todas as células do corpo, e as ações que venhamos a tomar. Seja instrumento de paz e faça dos seus espaços ocupados, lugares de liberdade, justiça, igualdade e felicidade.