RUMO A UM ENTRE-TEMPOS
O tempo escasseia, para tanto que eu quero.E faz nascer as angústias duma insatisfação que posso contornar, adaptando-me. Outros amores se erguem alto, que não apenas as palavras poéticas que compõem o meu comportamento esperado.
A prosa, de há muito adiada, exige-me o seu espaço. Reclama-o, empobrecendo a minha capacidade de produzir poeticamente. Preciso ceder ao que sou. E sempre fui um prosador.
Estou empenhado no projeto de um livro, fora do Recanto e, por uns tempos, fora das vistas e das opiniões dos amigos. Mesmo daqueles amigos tão especiais, com quem mantenho relacionamentos privilegiados, e até parcerias na escrita – algumas das quais ficarão por uns tempos afetadas por uma menor participação minha. Talvez até melhoradas, por isso. Estarei por aqui, como sempre. Apenas um pouco menos.
Assim, arrumo a casa.
Preparo-me para o eventual e o possível,
e descomprometo-me da constância diária
com que me presenteei nos últimos anos,
enchendo de mim tantos espaços em branco...
Sereno, leio-me satisfeito.
Encontro-me nas palavras ditas.
Nas linhas traçadas sempre,
num eternamente renovado repetir.
Espectador dos meus dias,
assinei-me no tempo.
Coerentemente.
Sem escrever desesperos de solidão,
nem gritar cruezas de amor
em carências mascaradas,
ou travestidas de intelecto.
Sempre admirei as coisas simples,
os gestos máximos das carícias óbvias,
que não carecem de explicação
para serem o que são: apenas carícias.
Algo que o tempo não apaga,
e de onde não se esmorece a intenção,
nem se perde o toque diáfano e sutil
da beleza que para sempre é nascida,
só por ser compartilhada...
A notoriedade é um luxo a que não me dou,
um doce delicioso, viciante,
que nunca quis para mim.
Por isso, alcancei o meu fim.
Agora caminharei no meu passo errante,
talvez meio esporádico e eventual
com a liberdade plena de ser todos os que sou.
E se for recordado, que seja por feliz acidente.
Que seja apenas por não me terem esquecido,
como não esqueço nenhuns amigos,
mas não porque se lembrem de mim....
Março 2008