MEU GRITO DE ALERTA

Ela não chegou a navegar na Internet. Já estava idosa e não sentiu mais vontade de fazê-lo. Mas eu faço questão absoluta de fazê-la participar desta nova era, de introduzir seu nome nesse mundo maravilhoso, ainda que desgraçadamente de forma triste.

Que isto sirva de alerta para quem faz o que ela fez:

Ela se chamava ELSA SANTOS.

Faleceu aos 30 de Junho de 2000, com quase 85 anos. Viveu bastante, não é verdade? Mas como chegou a essa idade e como foram seus últimos anos e os infelizes últimos dias é que quero contar, por uma razão muito especial.

É preciso que eu diga como era ela, já que a conheci desde que nasci: foi uma belíssima mulher, vistosa, elegante, dominadora, auto-suficiente, independente; de aproximadamente 1,65m, morena de cabelos pretos, bonita de corpo. Andava com “donaire”; como disse uma pessoa que a conheceu; parecia uma égua de raça, garbosa, desfilando de cabeça erguida, desafiando o mundo à sua volta. Temos uma foto dela caminhando num jardim, com aquele sorriso maravilhoso de “senhora de tudo”.

Quando morreu, media menos que 1,60m, tinha uma corcunda proeminente, conseqüência da inclinação da coluna, suas pernas ficaram tortas como aro de barril. Seu rosto, acinzentado e marcado por cicatrizes de quistos extraídos. Um pulmão já não funcionava e o outro estava com 1/3 comprometidos. O coração não agüentava mais a falta de oxigenação. A osteoporose tomara conta de tudo, razão pela qual diminuiu de tamanho. Em decorrência disso, tinha dores insuportáveis de modo geral, nas juntas das pernas e braços, bacia, costelas, coluna etc. Vez por outra sofria de fratura espontânea nas vértebras ou nas costelas. Ou era por um espirro mais forte, ou mesmo para simplesmente pegar um objeto que caíra no chão. Tinha falta de ar por causa do enfisema pulmonar, tossia muito, o que a deixava mais cansada ainda. Andava extremamente devagar pelas dores e pelo medo de cair e se quebrar.

Era perfeitamente lúcida, muito inteligente e culta. Pelo seu espírito indômito, fico imaginando o quanto sofria pela impotência em se locomover, a dependência de todos, a sujeição às suas condições de saúde. Tinha viajado muito e gostava de movimentação e agora estava literalmente confinada àquele corpo deformado, deteriorado, afrontosamente doente!

Buscava ainda, de alguma forma, ser útil. Fazia pequenos trabalhos em crochê para a família e crianças pobres e frivolité que lhe rendia algum valor simbólico.

Por uma pequena fratura no ombro, impossibilitada de firmar-se para andar, entrou em decadência acelerada, foi ficando deprimida, sujeita a uma cadeira de rodas, à “comadre”, às pessoas que lhe banhavam, lhe tratavam, controlavam sua vida. Sofreu convulsões, parada cardíaca, ficou com braços e pernas arroxeados pelas injeções, soro, e medicação endovenosa.

Independente, auto-suficiente, senhora de si, era agora apenas um ser humano arrasado, manipulado e controlado por outras pessoas. Sua vontade já não podia valer. Tinham todos que controlar sua vida, pelo extremo cuidado que seu estado exigia. Foi ficando cansada, cansada, e ela que era o próprio sol, apagou-se numa tarde de luz, assim como uma sombra do que tinha sido...

A sua vida definhando, a sua decadência, sua carga imensa de dores, todas aquelas condições degradantes da doença implacável, nos deixava imensamente sofridos também. Todos nós lutamos para que tivesse os últimos dias com certo conforto.

Mas como? Como impedir que aquele mal devorasse seu corpo e arrasasse seu espírito? Foi ele o principal responsável pelo alto grau de osteoporose e suas intensas dores, foi responsável por aquele enfisema que lhe paralisou o pulmão e lhe dava tanta falta de ar e tosse extenuante, foi responsável pelo enfraquecimento daquele coração que fez muito bem a tanta gente!

Ela foi muito amada, mas não soube se amar como devia.

Não conseguiu exterminar a causa de tudo, não conseguiu abandonar em tempo hábil o vício que minou a sua qualidade de vida. Praticamente da metade de sua vida até o fim foi um crescendo de complicações em sua saúde. Ela podia ter chegado aos mesmos 85 anos de outra forma, mais saudável, ativa e prazerosa! Não precisava ser tão sofrida, tão humilhantemente dependente. Foi muito triste ver seu olhar de sofrimento por estar confinada àquele corpo!

Ah! Minha mãe! A senhora me serviu de alerta!

Em seu atestado de óbito estava escrito:

CAUSA MORTIS imediata: INSUFICIÊNCIA CARDÍACA Conseqüência de TABAGISMO!

07/07/2000

Rachel dos Santos Dias
Enviado por Rachel dos Santos Dias em 02/02/2008
Código do texto: T843748