DITADURA CULTURAL
Em meados de 1965, fomos morar no fim do mundo, confins da Lomba do Pinheiro em Porto Alegre. Ficamos pé numa das ladeiras do vale do riacho Taquara, na vila São Pedro, sem energia elétrica, água encanada e saneamento básico. Mais abaixo, numa casa de 4 cômodos, moravam os Saraivas, pai, mãe e cinco meninos. Sempre subia uma brisa inundando o quase imperceptível vale, com ela subiam as ondas do rádio alimentado a pilhas, daquela família onde a maioria tinha a letra "v" , no nome. No auge das paradas Disparada e Alegria, Alegria, músicas de protesto. Eu me deliciava, embora a ditadura tanto fizesse, mesmo com dias de pouco que passávamos. Vieram 1966, 1967 e tudo mais, o protesto visível era pela música, quando mais crescido, via o protesto armado, das greves, manifestações públicas e até com terrorismo, coibido com prisões, torturas e mortes.
Cada dia que passava a poesia das músicas ficava mais refinada, alimentando-nos com poesia do mais fino gosto e engenharia com palavras e sentimento.
Aquela ditadura, que tanto esmagava, deixava passar pelos dedos versos e mais versos, de pura harmonia e sentimentos, que de tanto serem acompanhados de maricotas e palmatórias sempre nos faziam procurar o segundo sentido, pelo menos, a cultura musical escapou da guilhotina que tanto castrou a cultura.
Esta na hora novamente, não da censura, muito menos de ditaduras, mas do fomento poético, dos versos geniais de nossas músicas!
São pérolas e pérolas como os versos cantados por Belchior:
"O cante a Palo Seco
é um cante desarmado:
só a lâmina da voz
sem a arma do braço;
que o cante a palo seco
sem tempero ou ajuda
tem de abrir o silêncio
com sua chama nua".
Versos de autoria João Cabral de Melo Neto