O universo hiperconsumista e suas implicações.
O universo hiperconsumista e suas implicações.
"Denunciar de uma vez todo o universo hiperconsumista não me parece um bom procedimento. Nem tudo é negativo, bem ao contrário. Sobretudo, lançar dardos contra o nosso sistema de vida não é um caminho eficaz para conter os malefícios do excesso de consumismo. Não conseguiremos afastar o influxo deletério do consumo sobre nossa existência com críticas baseadas em princípios morais e intelectuais. Como antídoto contra a paixão consumista, só mesmo paixões rivais. É oportuno recordar a célebre proposição 7 do livro IV da Ética de Spinoza: "Uma afecção só pode ser reduzida ou extirpada por uma afecção contrária e mais forte que a afecção a reduzir".
Fazendo o desdobramento dessa análise, o objetivo primordial a ser almejado consiste em oferecer aos indivíduos outras metas, outras iniciativas capazes de mobilizar paixões diferentes daquela do consumo. É desse modo, e só desse modo, que conseguiremos refrear a compulsão de compra.
Mas por que exatamente fixar como meta a redução do modo de vida consumista? O consumismo não é mal em si, mas somente enquanto hipertrofiado ou intumescido, incapaz de atender a todas as aspirações humanas, uma vez que estas não se restringem aos desejos de gozo imediato. Conhecer, aprender, criar, inventar, progredir, ganhar auto-estima, superar a si mesmo: tantas são as obrigações e os ideais que os bens comercializáveis não podem satisfazer.
Estou convencido de que chegará o dia em que a cultura consumista não terá o mesmo impacto, a mesma importância na vida humana. Em todo caso, essa cultura é uma invenção recente na história: seu início remonta ao final do século XIX e ganha amplitude considerável a partir da década de 1950. Ela não passa de um "pequeno parêntese" na sucessão das eras humanas. Como imaginar que uma cultura possa ter uma duração indefinida? Aliás, em que pese os seus méritos nas desprezíveis, a civilização consumista não é capaz de acobertar lacunas notórias. Ela promove a desestruturação dos indivíduos, debilitando-os psicologicamente. A felicidade dos seres não avança na mesma proporção em que se avolumam as riquezas. Em suma, ela não está a altura da grandeza da condição humana. Nesse sentido, mais dia, menos dia, a primazia do consumismo será abrogada.
Obviamente, ainda não chegamos lá. Nesse momento, só uma minoria do planeta aufere vantagens desse modelo de vida; os demais, ficam na porta, impacientes e entusiasmados com a perspectiva de que, brevemente, desfrutarão dos benefícios observados. Contudo, num futuro ainda longínquo, inevitavelmente ocorrerá uma "inversão de valores". Não estou cogitando algo à maneira de um "super homem" ou de uma revolução no modo de produção; mais propriamente, penso em uma reviravolta cultural que promova a reavaliação das prioridades da existência, da hierarquia das finalidades, da função dos prazeres imediatos nesse novo sistema de valores.
Em dado momento, os homens descobrirão o lado "picante" da vida longe do hedonismo consumista, sem que a humanidade tenha de abandonar a idade democrática: organizar-se-á uma espécie de "democracia pós-consumista". A partir daí, será edificado um novo ideal de vida que, sem reatar com o estilo de vida ascético, abdicará da felicidade consumista enquanto eixo central e predominante da existência e traçarão outros caminhos para a felicidade.
Por uma dessas ironias próprias à História, Nietzsche ("Fazei-vos duros") e Marx ("O trabalho, condição primeira da existência!") poderão figurar como profetas, não do super homem e do consumismo, mas da sociedade posterior ao mundo hiperconsumista."
Postado por Filosofiacompartilhada às 15:38
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