Ao sabor da "orelha de macaco"
Mensalmente, o dia parecia brilhar um pouco mais!
No primeiro ou no segundo final de semana de cada mês, isso lá nos idos dos anos 1985 a 1990, a missão de meu pai e meu avô consistia em fazer uma viagem de barco pelo Rio Tocantins, de Babaçulândia-TO a Carolina-MA.
Na condição de aposentado, meu avô aproveitava o momento para transportar passageiros, e meu pai ia com ele.
No final da tarde de domingo eles dedicavam o ofício da arte de carpinteiro para realizar os ajustes na embarcação chamada "Rainha do Tocantins". Era como se eles estivessem fazendo revisão em um carro. Conferiam o óleo e a bomba de água do motor. Completavam o tanque para uma viagem que duraria 4 horas ininterruptas. Verificavam se o casco da embarcação tinha alguma rachadura. Lavavam os "estrados" e conferiam se as escapadas estavam firmes para armar as redes dos passageiros. A lona dos lados da embarcação eram conferidas, pois ajudariam a minimizar o sol nascente e poente.
Na segunda-feira, por volta das 5h30 da manhã, lá estavam eles: meu pai, meu avô e os passageiros embarcando para mais uma viagem que lhes garantiria o acesso ao "carnê da aposentadoria" na cidade Carolina-MA. Alternativamente, o transporte marítimo por eles praticado era o mais rápido e mais econômico.
Às 5h30 da segunda-feira meu pai funcionava o motor da "Rainha do Tocantins". Aos poucos, cerca de cinco a dez passageiro iniciavam o embarque à busca do tão esperado "carnê", uma espécie de cheque que o governo federal, na figura do INSS - Instituto Nacional de Seguridade Social, emitia aos aposentados. Os carnês, por sua vez, eram "trocados" nos comércios por gêneros alimentícios, e tantas outras coisas.
Sem condição de ir com nosso pai naquelas viagens, ficávamos, meus irmãos, irmãs e eu, aguardando o chegada dele no fim da tarde, lá por volta das 17h50 (a noite já estava quase chegando).
Lá da rampa, local de acesso ao Rio Tocantins na pequena Babaçulândia-TO, íamos aguardar o retorno deles. Ao longe, lá da curva do rio, da chamada "volta da Fazenda Castelo" enxergávamos algo parecido com uma embarcação. A cada minuto em que eles se aproximavam da "rampa", o som inconfundível no "motor 18 cavalos" dava lugar à alegria nos olhos, no coração e na boca que iria degustar a tão sonhada e esperada "orelha de macaco".
À medida que se aproximava do porto, a "Rainha do Tocantins" era reconhecida por suas cores sempre pujante e o motor também cuidadosamente mantido.
O retorno da embarcação, em cada uma de suas viagens, trazia alegria no peito daquele barqueiro, o meu pai, ao saber que seus filhos - éramos 8 - estariam aguardando a "orelha de macaco". Com certeza, não seria uma para cada filho, pois o dinheiro que ganhava com o transporte dos passageiros serviria, também, para comprar o arroz, o feijão, o óleo - o sustento da casa.
Guardada, cuidadosamente, as "orelhas de macaco", cerca de umas quatro, eram repartidas por nossa mãe. Enquanto ela as cortava meu pai falava da viagem para nós. Dizia que tudo tinha dado certo. A viagem tinha sido tranquila. Sem nada de ventos fortes ou de encalhamento da embarcação nos bancos de areia, principalmente os que ficavam próximos da "ilha dos botes". Certa vez eles disseram que viram os botos e alguns cardumes.
Mesmo sem suco ou refrigerante, talvez com um pouco de chá ou de café, comíamos a tão esperada "orelha de macaco". Ela era extraordinária ao nosso paladar. Saciados, pelo menos psicologicamente, agradecíamos ao nosso pai por aquele maravilhoso petisco, o qual, com certeza, no próximo mês, estaria à nossa mesa - em pouca quantidade -, mas com a satisfação de um pai que não media esforços para cuidar de seus filhos.
Sabíamos da chegada das próximas "orelhas de macaco" porque o meu avô (e meu pai) iria, novamente, buscar o seu "carnê de aposentado" em Carolina-MA, rompendo as águas do Rio Tocantins em sua querida "Rainha do Tocantins": a melhor embarcação que já conheci.
Hoje já não desfrutamos daquelas tão esperadas "orelhas de macaco", mas o seu sabor permanece em nossa memória!