TREPADEIRA INVEJOSA

No prado verdejante imperava a solitária árvore.

Imponente, frondosa, exibindo-se por excelência e despretensiosa.

Seus galhos, robustos, sustentavam milhares de folhas e vergônteas que resplandeciam luzidias, como que esmaltadas pelo deus da natureza.

Seu tronco, majestoso, ostentava sulcos desconformes, parecendo veias gigantescas rasgando o solo... verdadeiro alicerce do imenso vegetal.

A bela espécie, generosa, gabava-se da sua servidão.

Quantas vezes ofertava o frescor de sua sombra a homens e bichos.

Suas cascas emprestavam moradia a vermes, formigas, lagartos e toda sorte de insetos, num trânsito incontinenti e confuso, do troco a copa.

O cimo assistia diariamente o entrudo da passarada, o balançar das casas de abelha proporcionado por incautos macacos.

O vento farfalhava aquela micro-floresta, num vai-e-vem irregular... Ora ríspido...Ora manso e quase imóvel.

Incontáveis ramalhetes de uma flor amarela, almiscarada, pareciam querer chegar ao céu para ser colhidas por mãos divinas.

Sua essência exalava pelo derredor, roubada pelos ares, perfumando o mágico panorama.

Abelhas, vespas, formigas e beija-flores regalavam-se naquele banquete de néctar...

Era assim... nesse ritmo que vivia aquele monumento natural.

Certo dia percebeu que em seu tronco despontou uma planta rasteira com inúmeras vergonteas.

Os dias foram se passando e a singular árvore percebeu tratar-se de uma trepadeira, a qual, desautorizada e atrevida, escalava seu caule.

Uma sensação desconfortável apossou-se do enorme vegetal, o qual, incólume, assistia um emaranhado de cipós revestindo seu corpo, sufocando-a como fazem as sucuris às suas presas.

Em poucos dias aquele câncer em forma de veias deslizou desenfreadamente, trilhando galhos, folhas e flores, cobrindo-os sem piedade.

A árvore, inconformada, quebrou o silêncio e bradou:

- O que fazes comigo?

- Ora! – respondeu a trepadeira – estou em busca de luz, afinal é do sol que tiro grande parte do meu sustento.

- Mas para isso precisa subir em alguém?

- Bem sabes que não tenho rigidez necessária para manter-me ereta como você. Necessito de suportes. Sois robusta e forte, tens meios de garantir minha sustentabilidade.

- E por acaso vos ofereço ajuda?

- Não! Mas eu apenas aguardei oportunidade.

- Sois traiçoeira como serpente – disse a árvore – é por isso que teus cipós se parecem com ela. Não seria melhor se vivesses no chão, já que sois fraca de espírito e físico?

- Como sois bobinha, dona árvore! Se tenho em quem subir, por que haveria de ficar sempre em baixo, rastejando-me? Achas que eu preferiria ser pisoteada por animais e homens? Ademais estaria sendo alvo de urina, fezes e cuspe.

- Sois oportunista!

- Que nada. Sou esperta. Isso sim!

- É fácil ser esperta com o suor alheio. Na realidade sois desprezível.

- Cala-te! Veja que já é noite. Olhe como a lua está linda. Veja quantas estrelas no céu!

- Como posso enxergá-los se já me cobres quase completamente.

- Não sejas faladeira, cara árvore. Já apreciaste tanta beleza daqui de cima. Que delícia é o orvalho e a brisa nessas alturas.

- Já não sei mais o que é isto, pois tolheste esse direito natural. Tuas folhagens me fazem definhar.

- É a lei do mais forte. Não é assim que dizem?

- Forte?! Chamas isso de forte? A mim parece fraqueza. Como pode alguém pensar que o mal possa ser forte?

- Lá vens com o teu filosofar!

E estavam nesse diálogo quando começou a brotar da trepadeira incontáveis flores vermelhas, opacas, sem beleza e com cheiro horripilante, a qual já cobria completamente a árvore. O infeliz vegetal já não possuía mais folhas e sim um emaranhado de galhos retorcidos e esmagados pelo peso da hospedeira. Até os bichos a abandonaram, enojados do cheiro nauseabundo.

- Dona árvore, veja como são lindas as minhas folhas e flores – insultou a trepadeira.

- É fácil ser bonita dessa forma. Existe muitos por aí iguais a você! Por favor, já conseguiste o que queria. Agora deixa-me em paz, não percebes que estas me sufocando? Deixa-me produzir minhas flores. Por que não procuraste uma cerca ou árvore morta?

- Ora! Achas que eu iria deixar-te em paz com tua exuberância? Antes ninguém olhava para mim. Nem minhas folhas eram vistas. Veja agora como estou imponente e visível. Cansei de vê-la esplendorosa, imponente, sendo elogiada por todos. Eras o centro das atenções.

- Tu é quem dizes! Se isso ocorria eu não usava para fins de promoção. Mas saiba que todos possuem valores, mas nem todos possuem talento. Nunca busquei exibir-me, simplesmente fui o que sou, mas contigo foi o contrário. És hoje o que nunca conseguiste – por teu próprio suor – ser. Chegaste ao topo por vias torpes. Isso é o que chamas de troféu?! Agora, mas uma vez te imploro: deixa-me ver a luz do céu. Deixa-me ver as estrelas. Deixa-me ver os pássaros. Deixa-me sentir o vento...

- Ora, deixa de bobagem. Agora o único astro aqui sou eu. Eu sou a estrela!

- Reconheça, senhora trepadeira, que o sol nasceu para todos. Olhe para o céu. Veja a infinidade de estrelas. Todas brilham e ninguém rouba o brilho da outra...

- Isso é lá no céu. Aqui é a Terra e hoje eu sou o poder!

- Ainda bem que tu mesmo é quem diz. Mas que poder é esse? Poder?!

- Claro!

- Sois dissimulada e execrável. Bem disse alguém que, se quiseres conhecer outrem, dê-lhe o poder. Ontem mesmo eras tapete. Hoje andas sobre ele. Toma cuidado. Já te disseram que quanto mais alto é o posto, mais forte é a queda? Saiba que grandes impérios ruíram.

- Sois ingênua com essas falácias. Não vês que hoje não sois nada.

- Ingênua? Pelo que vejo não compreendes a vida. Para mim sois uma infeliz que pensa ser alguém. Como podes ser alguém prejudicando os outros? Para mim não passas de uma trepadeira invejosa.

E estavam ainda nesse colóquio quando chegou o dono das terras e ordenou ao capataz:

- Corte todo esse cipó, mas tenha o máximo de cuidado para não ferir a árvore. Há três meses que não vejo a beleza da sua copa nem sinto o delicioso perfume de suas flores!

Em trinta minutos os destroços estavam no chão...

Dois meses depois a árvore retomou sua forma original

Luís Carlos Freire
Enviado por Luís Carlos Freire em 24/09/2023
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