Na madrugada
A balada até podia
ser a mais animada:
quando eu escolho
abrir ou fechar a porta errada,
eu fecho meus olhos
em meio à madrugada
e só consigo seguir o ritmo
de uma voz descompassada
que me pede ajuda dançando,
com sua cabeça girando
e consigo mesmo falando
para aplacar a ferida
de mais uma bala, perdida
entre ser engolida ou guardada,
que lhe foi oferecida ou que dera
numa noite de Primavera
à alguém, que não fizera
questão de ver quem eu era
e optou por equivocada
sensação de amor provocada.
Agora, num pulso estridente,
seu coração delator
só consegue relatar ao autor
coisas que ninguém vê nem sente,
coisas que só em sua mente
aceleram e, de repente,
faz-se dor antecipada,
tentando lembrar que é gente,
em meio aos passos na estrada.
Quando cessa a algazarra,
olha o relógio num tropeço
e embaralha-se nas horas
de parar de beber e ir embora.
Ó, quanta dor! Ó quanta alegria!
Mais de mil gentes de aço no salão...
Já estamos “quase no fim da festa”
e o tempo voa mais do que a atenção.
Quando levanta, no dia posterior,
conclui, com (in)certo pavor
que não foi boa a noitada
porque no fim da festa,
coitada,
sempre lhe resta
algo próximo de nada.
Mas Deus é seu Pastor
e a Palavra sua Espada:
não tem que viver o horror
solitário e enlouquecedor
de uma guerra internalizada (!)
quando existe tanto amor
e boa gente mandada
por seu anjo protetor
para auxílio na caminhada.
Boa noite, meu Deus Pai,
meus irmãos e Anjo Guia,
em quem meu coração confia
e minha alma se vê amparada.
Que tudo amanhã melhore.
Quanto mais eu puder, mais eu ore
pela vida que me foi dada,
ao som do choro recém-nascido
no silêncio da noite acordada.
Dorme em paz, ó mãe amada,
que a demora de chegar agora
se Deus permitir, não é nada,
porque a condução logo passa
e eu correrei para casa
para amparar-me em tuas asas
da solidão que me pisoteava
mesmo em meio à rave massa
em que tanta gente me rodeava,
sem em nenhum breve momento
entrar realmente aqui dentro
para sentir o que se passava.
Dorme em paz, minha mãe: em paz,
que eu assumo que sou capaz
pra não pular do precipício
e reiniciar uma vez mais
- e mostrar a quem me fere,
com poder que não lhe confere,
que aqui a gente se acerta
em meio ao desacerto que faz.