Dia de Finados
O dia dos Mortos é o dia das certezas.
Todos os cadáveres são idênticos: o feio, o bonito, o rico, o pobre, o de direita, o de esquerda...O ser humano é feito de oxigênio, de carbono e hidrogênio. O resto é mistério.
Foi a primeira morte quem trouxe a primeira certeza: a certeza de que aquele corpo não mais se moveria, não poderia mais cantar, dançar, comer, beber, perdoar, abraçar, sonhar...Se a vida continua em outros planos? Quem sabe? Pois na vida nada é certo. Mas que a morte tudo interrompe, tudo paralisa, tudo equipara, ah, isso é certeza!
Atravesso o cemitério neste dia dos Mortos e vejo as certezas sob os túmulos enfeitados. Já a dúvida, está acima da terra, pulsante e fustigada pelo frio, pelo sol ardente, pelos entraves e emoções latentes. Lá onde choram as mães pelos seus filhos, onde nações temem pelo futuro, onde ideologias se digladiam. Essa é a nossa narrativa reordenada em um cosmo provisório.
Nenhuma alma sincera parece muito certa de nada aqui na superfície do mundo. Tudo bem não ter certeza. O mundo já tem pessoas demais ostentando convicções.
À nossa volta tudo está em constante alquimia. Não é a morte que devora a vida. É a vida que devora a si mesma.
Todas as coisas eventualmente morrem tornam-se outras coisas, basta esperar, escutar, enxergar...
A certeza é a doença da compaixão. É por ela que mata-se em vão e morre-se em vão. Afinal, é questão de tempo até que todas as verdades estejam superadas.
A vida é poesia e não ortodoxia. Ela acontece nas reentrâncias das convicções, nos intervalos da batida do martelo. Desenrola-se como um filme experimental, sem roteiro, sem legendas, sem plano sequencial.
A única certeza é a de que estamos vivos neste instante. E isso basta.
O dia de Finados é o dia das certezas, mas a vida em essência, é um mistério.