Indesculpáveis!

“Os carregamentos dos navios negreiros estavam incompletos sem a pacotille (pacotilha), diversos artigos e bugigangas que atendiam ao gosto dos africanos por cores berrantes e pelos quais, depois de terem vendido seus compatriotas, eles se desfariam, no fim do século XiX, de suas terras e outorgariam concessões de minas.” (Williams Eric. Capitalismo e Escravidão, p. 89)

Quando pensamos em escravidão, nosso estômago se revira. Ficamos enjoados e enojados em pensar que fomos e somos capazes de, para saciar nossa ambição, recorrer a tal artifício. Como a história facilmente nos mostra, esta instituição é tão antiga quanto cruel. Remonta desde a construção das pirâmides do Egito antigo até nossos dias, com pessoas ainda sendo resgatadas de trabalhos em condições análogas à escravidão. Não dá para simplesmente dizer que foi ou é um mal necessário, porque havia e há uma outra forma de prover mão de obra. O problema é que, mais uma vez, a ganância não deixa. A ambição sempre parece falar mais alto e nos levar a cometer atos irracionais e irreparáveis. Esta é uma qualidade que precisa vir, sempre, acompanhada da sabedoria, moral e ética, para que seu poder destrutivo seja minado, e seu poder construtivo possa fazer brilhar o sol no horizonte. Do contrário, terminaremos de fato como Thomas Hobbes, sabiamente apregoa, “lobo do próprio homem”.

A ambição constrói, mas também destrói tanto quanto a força de uma bomba atômica. Não dá para sermos ingênuos com ela, nem a subestimar. Assim como a justiça, ela é cega. A cor, a classe, o sangue e os laços não importam. Mais uma vez, a história facilmente nos prova isso, e até mesmo situações do nosso dia a dia. Quantas vezes ouvimos notícias sobre tragédias entre familiares, amigos, pessoas de uma mesma comunidade em nome da ambição. E ela, não é só econômica, além de poder é também passional.

O trecho destacado acima, evidencia o que temos dito. A linha do tempo da história humana foi traçada com sangue inocente. Estamos banhados com o sangue de seres humanos de todos os cantos e eras. Isto é algo impossível de ser reparado. Não há nada que possamos fazer para nos lavar deste sangue. Em particular, o sangue da África. Nem toda a riqueza mundial lavaria nossa culpa e alma. Este é um pecado do qual, todos sem exceção, somos indesculpáveis.

O melhor ato que podemos fazer em honra àqueles que injustamente foram desgastados e mortos em nome ou a pretexto de nossa subsistência como raça humana, é garantir que nunca mais isso aconteça e que os descendentes, ou os que se assemelham pela tonalidade da melanina, venham sofrer e ser estigmatizados, marginalizados pela consequência de nosso cruel pecado passado. Que não sejam injustamente marcados como merecedores de descrédito ou de pena, pois são “ossos dos nossos ossos, sangue do nosso sangue, e ainda carne da nossa carne”. Aqueles que ainda se deixam levar por preconceitos são indignos de viver em sociedade e tornam-se culpados duas vezes mais do rastro de sangue que nos acompanha enquanto pensamos estar progredindo em nossa humanidade.