SE CONVIVER FOSSE FÁCIL . . .
Se conviver fosse fácil,
não haveria tanta gente
tratando mal outras gentes,
nem tanta gente mal tratada.
Se conviver fosse fácil,
os familiares não brigariam tão facilmente,
e as amizades não acabariam
por qualquer bobagem,
ou por falta da escuta.
Se conviver fosse fácil,
não haveria tantos
casais se desarmonizando,
nem tanta separação precipitada.
Se conviver fosse fácil,
abraçar com afeto não seria tão difícil,
e os beijos transcenderiam
as exigências implícitas
da troca inconsciente.
Porque conviver exige um
“eu não te compreendo”,
seguido de um
“eu me disponho a te ouvir”.
Porque muito pouco se ouve,
e muito exacerbadamente se fala.
Porque abstrair as vivências do Outro,
sem qualquer apedrejamento,
requer a escuta atenciosa,
a predisposição nutrida pela ignorância
do que ainda não somos capazes de tolerar,
mas que somos capazes de aprender
a compreender sem julgamento.
Porque conviver é muito mais
sobre o “Outro” do que sobre o “Eu”:
é a conjugação do "Nós"
em harmonia, apesar das diferenças.
Se não fosse assim,
o prefixo “con” seria
um mero enfeite vocabular.
Conviver sem os silêncios da escuta é ilusão.
A escuta é uma pausa amorosa:
não se convive sem a escuta,
e não se ama sem os silêncios.