PEÇO A DEUS QUE VOLTES BEM

Te olhando deitada naquela maca da sala de observação, como me pareceu linda. Ao meu coração vieram as lembranças de quando quem estava em macas era eu. Todos os meus momentos, cada um daqueles momentos em que de cuidados eu precisei, a senhora estava lá.

Ao te olhar hoje, eu agradeci a Deus por poder estar ali, por poder ser eu a pessoa que estava ao teu lado e te cuidando, apesar de poder fazer tão pouco naquele momento.

Ao te olhar deitada naquela maca, eu me lembrei de algumas horas antes, quando, na casa da senhora, ao nos prepararmos para ir apenas tomar soro (era o plano), a senhora me disse pra levar pra casa o pudim que havia feito, pra que eu comesse com as crianças. Me lembrei de ter lembrado, naquela hora, de que a senhora estava com muita vontade de comer pudim uns dias antes. Me lembrei de dizer: “Não, mãe. Deixa aí pra senhora comer quando voltar.” Eu pensei que voltarias pra casa ainda hoje.

Como a senhora é forte! Sei que há tantas marcas e dores guardadas aí dentro do coração e que ainda sangram e ferem, mas, ainda assim, continuas forte!

Como és forte! E sua força me inspira! E, ao olhar pra mim, apesar de todas as minhas fragilidades, dos medos, das marcas e das lembranças doídas, eu me vejo forte. Ao me ver assim, forte, é impossível não te ver. É impossível não te ver em mim. E eu, sempre que penso em minha história e consigo ver-me forte, automaticamente penso “sou forte como a minha mãe.”

Em tua fortaleza, eu olhei de novo e te vi tão frágil. Estavas pálida, fraca, pois há dois dias estavas vomitando e nada permanecia no estômago. Na muralha de força surgiu uma fragilidade e eu te vi vulnerável. Queria poder curar-te com o tocar das minhas mãos. Suavas frio, reclamavas de frio e de calor ao mesmo tempo. Estavas cansada, ofegante, inquieta, com dor. O corpo gelado. Sofrias. Eu vi. Ah, mãezinha. Nesta hora, eu agradeci a Deus por tua vida. Lembro que, neste dia, eu o fiz por mais vezes que de costume. E vendo-a ali, me entristeci, mas não me desesperei. Não conseguia pensar em outra coisa senão em gratidão a Deus por a senhora estar aqui, mesmo que naquele momento estivesse ali, naquele lugar e naquele estado, a senhora estava aqui, a senhora estava comigo. E talvez seja egoísmo, mas eu sempre olho pra senhora como sendo um presente de Deus pra mim. Minha mãe. Minha mãe. És mãe dos meus irmãos também, mas és mais minha. Minha mãe. Obrigada, mãe. Obrigada por ser minha, por ser minha mãe. Peço a Deus que estejas bem. Lhe levaram daquela sala, em uma cadeira de rodas, direto para a UTI. Seu coração não estava muito bem. O problema cardíaco associado à COVID fez da senhora uma “paciente grave”, nas palavras do médico tão jovem e atencioso que nos atendeu. Era preciso levá-la à UTI para monitorá-la e acompanhá-la de perto. Na UTI eu não poderia mais acompanhá-la. Não era permitido. Eu não poderia mais vê-la até que de lá saísse. Chamei meus irmãos. Lembro-me de pedir ao doutor que permitisse que eles entrassem para vê-la. Não sabia quando seria possível que eles a vissem de novo. Lembro-me de ficar em dúvida se pedia ao médico ou não pra que ele permitisse a entrada deles, tive medo de que a senhora, ao vê-los, pensasse que seu estado de saúde era muito grave e acabasse se agitando. Ainda assim, eu pedi. Ele, gentilmente, permitiu e lhes passou orientações.

Após uma conversa rápida, nos despedimos e a senhora foi levada. Não te permitiram levar nada do que havíamos preparado quando saímos de casa. Eu a vi sendo levada na cadeira de rodas e me lembro de correr pra dar um abraço e me despedir. Confesso que cheguei a temer que aquele fosse o último. A senhora disse: “vai com Deus, minha filha.” e eu respondi: “Amém, mãe, fica com Deus.”

Pouco tempo depois o enfermeiro veio e me explicou algumas coisas sobre como funcionaria a internação. Ele me devolveu as roupas que a senhora usava quando entrou. Nem elas poderiam ficar. Gentilmente, ele aceitou levar a garrafinha de água de coco que a Kézia havia levado.

Eu fui embora. Te deixei lá, aos cuidados do Papai do Céu e da equipe médica. Como eu gostaria de ter ficado lá também pra poder fazer-te companhia. Mas eu não pude. Pedi a Deus que de ti cuidasse.

Agora, aqui, no meu coração, enquanto peço a Deus que cuide da senhora lá dentro e coloque pessoas boas e atenciosas pra te cuidar, há um pedido que ecoa repetidamente em meu coração:

Eu peço a Deus que voltes bem.